Mariana 14/10/2014
Existencialismo e plano do engajamento livre
Em texto circunstancial, acessível e descomplicado, Sartre defende o existencialismo de acusações que lhes eram atribuídas, sobretudo por comunistas e cristãos. O francês inicia sua argumentação com o seguinte raciocínio:
"A existência precede a essência"
Vulgarizando o pensamento para torná-lo mais compreensível, Sartre relaciona a concepção de existência humana à existência de um corta-papel. Ora, antes de existir como objeto, o corta-papel possuía conceito e objetivo. O utensílio já dispunha de uma função antes mesmo de materializar-se. Neste caso a essência precedeu a existência. O conceito de homem está para Deus como o corta-papel está para o homem.
No existencialismo ateu defendido pelo filósofo, no entanto, o homem constrói sua essência depois de existir e se localizar no mundo. Este é o principio norteador do existencialismo.
"O homem será aquilo que ele se tornar"
A partir do momento que se pensa na existência precedendo a essência, se pensa também no homem enquanto responsável pelo que é e pelo que pode vir a ser. Entende-se que:
1 Somos livres, pois construímos nossa essência.
2 Somos os únicos donos de nosso destino.
A questão é que para Sartre, esta liberdade não é um privilegio, pelo contrário, é uma condenação.
"O homem está condenado a ser livre"
O que o escritor diz aqui? Primeiro o homem é condenado, pois não cria a si próprio; depois é tido livre, pois uma vez lançado ao mundo, se torna somente aquilo que fizer dele mesmo. Como critério para essa compreensão de liberdade, Sartre lista alguns conceitos que fundamentam sua visão de que ela seja um fardo, contrário ao que prega o senso comum do significado da palavra:
A angustia
Já é axiomático que somos livres. Por sermos livres, temos necessidade de escolher. Mais: somos OBRIGADOS a escolher considerando que não escolher também é uma escolha. A angustia surge da sensação de responsabilidade coletiva e individual sobre essas decisões.
"A angustia se explica por uma responsabilidade direta aos outros homens envolvidos pela escolha"
O desamparo
Com desamparo, expressão de Heidegger, Sartre chama de desespero a ausência de um critério de certeza, um código de valores ou ordens que guiaria o homem em sua existência.
"Estamos sós e sem desculpas"
"Não há sinais de certo e errado no mundo"
Primeiro, o homem está sozinho e não há garantias ou valores absolutos para apoiar suas decisões. Depois, é possível ir além: os sinais não existem, pois o homem irá decifra-lo conforme melhor lhe parecer.
Para dar força ao pensamento de que somos obrigados a decidir sozinhos, Sartre menciona uma passagem do romance Os irmãos Karamazov, de Dostoievski, em que o escritor russo escrevera: Se Deus não existisse, tudo seria permitido. Com efeito, é disto que se trata o desamparo: o homem não encontra ao que se agarrar dentro e fora de si.
O desespero
Se eu sou livre, o outro também o é. A minha escolha está ligada a dele. O desespero é a sensação de que apesar de sermos livres, não podemos contar unicamente com nossas escolhas, tendo em vista que o outro também é livre.
O covarde
Neste conceito Sartre é mais combativo. Para ele, não há nada mais covarde do que negar a liberdade escondendo-se atrás de desculpas para não exercê-la pois é difícil, pois é angustiante, pois não há ao que se apoiar, pois desespera. O covarde age de má fé, pois rejeita a ideia de que é livre para poder se agarrar aos pretextos e essências que tornam sua vida mais cômoda, simples.
"Aqueles que encobrem, à guisa de seriedade ou com escusas deterministas, sua total liberdade, eu os chamarei de covardes; e aos que tentarem mostrar que sua existência era necessária, sendo que ela é a própria contingencia da aparição do ser humano sobre a terra, a esses chamarei de asquerosos"
O existencialismo não se trata de uma doutrina pessimista, pelo contrário, ela coloca o destino do homem nele mesmo. Suprimida a ideia de Deus, cabe ao homem determinar os valores e encarar a realidade.
"O que os amedronta não seria, exatamente, o fato dessa doutrina dar possibilidade de escolha ao ser?"