Hugo R 13/12/2013
Arquitetura de Cristal
Se por um lado, Hatoum, jamais exerceu a profissão de sua formação, arquiteto, nada nega que ele seja, por excelência, um arquiteto da memória, como prova o livro "Relato de um certo Oriente".
Em tom epistolar, as histórias do romance são tecidas pela memória de uma mulher que, após uma ausência de longos anos, volta à cidade de Manaus, para reencontrar sua mãe adotiva, a matriarca libanesa Emilie. Ao chegar ao local, no entanto, depara-se com a Manaus do presente e a nostalgia que o simbolismo de certos cheiros, cores, eventos e pessoas provocam em seu pensamento.
No livro, a lembrança é tratada como meio de revisitar o passado para compreender o presente. Para isso, evoca-se a memória na força de sua plenitude, partindo-se da boêmia das noites enfeitas com histórias e fumaça do narguilé à colisão das tradições cristãs do Ocidente com a filosofia do Alcorão.
O contar de histórias permite à narradora comunicar sentimentos ocultos, viajando no tempo sem o esforço de um passo sequer. É assim que suas cartas ao irmão distante tentam encontrar conexões entre situações dispersas no tempo, regenerando as ruínas do passado pela força da memória.
Sensível, poético e misterioso para além da última página, "Relato de um certo Oriente" é, sobretudo, um convite à releitura, quando não das histórias encerradas nas páginas do livro, da nossa própria história. Afinal, a identidade humana se constrói no viés de experiências que, ao cabo da última página, parecem apenas memórias.