Marcos Aurélio 23/01/2022Peregrinos, por quê?Gabriel Gárcia Márquez dispensa apresentações, embora eu o descubra um pouco em cada encontro.
Os parágrafos e frases longas, a escrita linear. Agora descoberto, o decantador.
Doze porque foram mais, foram 18 contos, em 18 anos que Gabriel levou para escrever o livro. Ideia que surgiu após o sonho de seu funeral. No sonho, todos os seus amigos comparecem ao seu funeral. Sepultado, os amigos vestidos de luto solene, mas em festa, voltam para suas casas. Gabriel tenta fazer o mesmo, mas um amigo volta e lhe diz "você é único que não pode voltar". "Só então compreendi que morrer é não estar nunca mais entre os amigos".
Talvez GG Márquez tenha concebido a ideia do livro, e esta é minha interpretação apenas, como uma tentativa de ficar para sempre. Nos amigos, nos leitores, na eternidade.
Contos porque ele queria textos curtos, embora para ele a dificuldade de escrever um conto fosse semelha a de um romance. "O conto, por sua vez, não tem princípio nem fim dos pontos anda ou desanda. Esse desanda, a experiência própria é alheia ensinam que na maioria das vezes é mais saudável começado de novo por outro caminho, ou jogá-lo na lata do lixo".
Peregrinos, porque para os textos estiveram em idas e vindas entre sua mesa e a lata de lixo. "Um bom escritor é mais apreciado pelo que rasga do que pelo que publica", diz o autor citando alguém que não recorda para explicar: "a verdade que não rasguei os rascunhos e as anotações mas fiz algo pior dos pontos joguei e os não esquecimento".
Na minha interpretação, Peregrinos porque depois de terminados e revisados, Gabriel voltou as cidades que usou de cenário para os escritos: Barcelona, Roma, Genebra e Paris.
Os melhores contos para mim foram: Só Vim Telefonar, Assombrações de Agosto e Maria dos Prazeres. Deste último, transcrevo o diálogo:
General Francisco Franco, ditador eterno da Espanha, havia assumido a responsabilidade de decidir o destino final de três separatistas bascos que acabavam de ser condenados à morte. O Conde exalou um suspiro de alívio.
- Então, vão fuzilá-los sem remédio - disse ele -, porque o Caudillo é um homem justo.
- Pois rogue a Deus que não - disse -, porque se fuzilarem um só eu boto veneno na tua sopa.
E o conde assustou-se.
- E por que isso?
- Porque eu também sou uma puta justa."
Depois de lido levei o livro a uma gráfica para recuperar a edição. É um exemplar da Editora Record, tradução de Eric Nepomuceno, 4ª edição, publicada em 1993.
Por que fiz isto? Gabriel Gárcia Márquez responde no último parágrafo do prólogo: "Quem os ler saberá o que fazer com eles. Por sorte, para estes doze contos peregrinos terminarem no cesto de papéis deve ser como alívio de voltar para casa".