Polly 13/02/2024
Do amor e outros demônios: Sierva Maria bem que podia ter dezoito anos (#199)
Do amor e outros demônios não caiu muito nas minhas graças. Dos que li do Gabo até agora, ele fica em último na lista dos que mais gostei, embora eu adore esse título (é bonito, né?).
O elemento fantástico, marca registrada do Gabriel Garcia Marquez, não fica de fora em Do amor e outros demônios, é claro. A história de Sierva Maria mistura as lendas contadas por sua avó quando ele era criança e um trabalho jornalístico que Gabo fez em um convento prestes a ser demolido, em 1949. Só ele sabe fazer a fantasia parecer realidade e a realidade parecer fantasia como ninguém.
Sierva Maria é uma menina de doze anos, filha de uma família decadente de uma longínqua aristocracia espanhola. Completamente negligenciada pelos pais, é criada pelos escravizados da casa. Isso significa que ela é criada tal qual os costumes africanos: religião, língua, cultura. Dá para imaginar que isso é um prato cheio para uma Colômbia colonial católica, não é? Junte isso com uma doença pouco conhecida e de sintomas assustadores como a raiva. Dá para adivinhar que nada vai acabar bem.
A menina é logo diagnosticada com possessão e sofrerá todos os mais terríveis “tratamentos” para ser curada dos “demônios” em um convento. O problema é que seu exorcizador vai se apaixonar por ela. O Padre Cayetano Delaura chega a conclusão que não tem nada de demônio na menina, como também de que a garota é o amor de sua vida. E eis o meu maior problema com o livro: esse “relacionamento” tosco entre uma menina de doze anos e um homem de trinta e seis. Acabou com a graça do livro para mim. Gabo, custava fazer Sierva Maria ter dezoito anos?
Outra coisa que não foi um problema para mim, mas sim um incômodo durante a leitura é a descrição da epidemia de raiva no local. Acho que ter passado por uma pandemia tão terrível quanto a de COVID-19, não me permitirá jamais ler sobre doenças contagiosas com alguma indiferença. A angústia e o medo de tempos assim estão gravados não só nas memórias, mas também nas entranhas de todos nós. Lembrar faz a gente sentir o gosto metálico no fundo da garganta de saber - e ser lembrado vinte e quatro horas por dia disso - que a vida é frágil e de que não se tem como negociar com a morte.
Não, não é um livro ruim. Tem tudo o que um leitor de Gabo ama: boa escrita, realismo fantástico, muito absurdo contado como coisa corriqueira, mas o relacionamento contado é um grandessíssimo de um equívoco.