Amor e lixo

Amor e lixo Ivan Klíma




Resenhas - Amor e Lixo


5 encontrados | exibindo 1 a 5


jota 15/03/2024

ÓTIMO: meio complicado de ler; são histórias fragmentadas que vão e voltam, mas que valem a pena conhecermos; poesia e prosa entornada no chão...

Quando penso em literatura tcheca, sempre me vem à memória os livros de Franz Kafka (A Metamorfose, especialmente) e Milan Kundera (A Insustentável Leveza do Ser, idem), dois autores notáveis que são mencionados várias vezes na longa entrevista que Ivan Klíma (nascido em 1931) deu para Philip Roth em 1990, Conversa em Praga com Ivan Klíma, presente nas páginas finais deste volume. Kafka é um escritor admirado por outros escritores e tanto Klíma quanto Roth já o reverenciaram em suas obras, então falam bastante dele nessa entrevista.

Em Amor e Lixo o autor de A Metamorfose é quase um personagem tão destacado quanto o escritor anônimo que se vê transformado não em um besouro ou numa barata, mas num varredor de ruas por conta do estado policialesco instalado na então Tchecoslováquia entre 1968 a 1989. A população era controlada e oprimida pela União Soviética, o que não deixava de ser uma situação kafkaniana para qualquer escritor sensato, não bajulador do regime, e ainda mais pelo modo como Amor e Lixo foi escrito.

O próprio Klíma reconhece que o livro é uma bagunça, melhor, nas suas próprias palavras, ”é uma espécie de colagem de vários temas ou histórias fragmentadas. Lembro-me de que, quando passei o livro, ainda em manuscrito, a meus amigos, indaguei se não se importavam com essa bagunça, mas concluí que não, aceitaram o romance como um todo.” O pensamento do personagem ora está consigo mesmo, ora com Kafka e a literatura, com a mulher ou com a amante, com os colegas de varreção, com o pai, com seu filho, com a situação do país, etc.

Uma palavra que o leitor vai encontrar o tempo todo durante a leitura é “jerkish”, ou “imbecilês”, que Roth informa que “(...) é o nome da língua criada nos Estados Unidos há alguns anos para a comunicação entre pessoas e chimpanzés; ela consiste em 225 palavras, e o protagonista de Klíma prevê que, depois do que aconteceu com seu próprio idioma sob o regime comunista, não vai demorar para que o imbecilês seja falado por toda a humanidade.” Na televisão, na internet, especialmente nos vídeos do YouTube, é possível encontrar muita gente falando “jerkish” faz tempo, não? Daí que é preciso, cada vez mais, lermos boa literatura.

Bem, como apontou alguém, pela situação que vivem, tanto o escritor transformado pelo Estado em gari quanto seus colegas de trabalho, todos eles dividem um sentimento que é na verdade o desejo de fugir da realidade, elevar-se acima dela. Desejo esse que materialmente é impossível de se realizar na condição em que se encontram, o que cria então um dilema pessoal que Klíma transformou aqui numa historia original. Que ao mesmo tempo é coletiva, pois poderia se dar com qualquer um vivendo sob um regime opressor como a URSS impunha aos países satélites. E agora (o filho da) Putin parece querer trazer de volta esse pesadelo do passado, começando pela Ucrânia.

Numa dessas suas fugas, de seus (muitos) devaneios, o escritor-gari tcheco relembra um poema do francês Jacques Prévert (1900-1977), Parfois Le Balayeur, ou Às vezes o varredor, que diz um tanto sobre sua condição; com ele encerro meus comentários:

E pode acontecer a um varredor que acena
sem esperança pra cá e pra lá
com a vassoura suja
entre ruínas poeirentas
de uma exposição colonial vil
pare maravilhado
diante de estátuas extraordinárias
de folhas e flores secas
que representam o que certamente não é um sonho
crimes celebrações raios e risos e de novo desejo árvores
[e pássaros
e também a lua o amor o sol e a morte…

Lido entre 26 de fevereiro e 14 de março de 2024.

comentários(0)comente



@buenos_livros 30/08/2022

Amor e Lixo - Ivan Klíma ??
?O homem deseja limpar-se, mas em vez disso põe-se a limpar seu entorno. Enquanto não limpa a si próprio, porém, inquieta-se em vão com o mundo à sua volta.?
-
. 65/2022
. Amor e Lixo (1986)
. Ivan Klíma ??
. Aleksandar Jovanovic
. Romance | 253p. | Livro
. @carambaia
-
. Livro livremente inspirado na vida do próprio autor que após um exílio nos EUA, retorna à sua Tchéquia natal e sendo considerado um pária pelo já enfraquecido regime comunista, acaba trabalhando como gari. Ao conhecer novos personagens na limpeza das ruas de Praga, o protagonismo também rememora questões familiares e sua relação com a esposa e uma amante de longa data. Um livro bonito, mas difícil de ser lido por ser formado por recortes com começos e finais entrelaçados e cheio de longas digressões. Li com calma em mais de dois meses, mas perdi a conta dos trechos e frases que marquei.
. ??????
comentários(0)comente



Henrique Fendrich 22/06/2021

Há uma resenha aqui embaixo falando em "leitura maçante e difícil". Não a considere antes de ter você a sua própria experiência com o livro. Porque eu estou entre os que leram o livro e que não apenas não o acharam maçante ou difícil, mas ficaram encantados com o seu conteúdo, marcado por muita reflexão e filosofia. Leiam dois trechos ao final desta resenha.

O grande tema do livro, ao meu ver, é o fato de nada desaparecer da face da Terra. Tudo se transforma e vira outra coisa, mas continua existindo, sob essa outra forma. Isso é válido para as coisas materiais, para aquilo que jogamos no lixo como se nunca mais fosse necessário se preocupar com o destino daquilo, mas também é válido para sentimentos e afetos.

Quando lidamos com pessoas, porém, é muito mais difícil descartamos aquilo que parece não nos servir mais. O personagem do livro oscila entre permanecer com a sua esposa ou "jogar no lixo" a sua história com ela, em favor de uma amante, que continuamente lhe pressiona. É um dilema que ele não consegue resolver justamente porque nada desaparece e porque ele não pode estar certo de que as transformações que virão lhe serão mais favoráveis.

À parte dessa trama, o personagem, na sua condição de um simples varredor de rua, trava conhecimento com outras pessoas que, cada uma ao seu modo, vivem as consequências de todos os resíduos que produziram ou dos descartes de que foram vítimas ao longo da vida. O sofrimento também não desaparece, ele se transforma e assim modifica a vida de cada um.

O fato de o personagem acreditar que nada desaparece também o leva a fazer uma série de especulações e de reflexões sobre o destino do ser humano depois da morte, pois a alma bem poderia ser a transformação natural de um corpo que deixou de ter serventia, mas as concepções que ele possui sobre o "paraíso" estão bem longe de serem religiosas.

Chama atenção também as muitas reflexões que o personagem faz sobre Kafka e sobre como ele encarava o problema da sua própria existência. Um conceito importante para o livro também é o de "yerkish", idioma desenvolvido para primatas e que o personagem usa como metáfora para as comunicações típicas do nosso tempo, marcadas pela superficialidade.

De maneira geral, a filosofia proposta pelo autor parece concluir pela necessidade de uma limpeza interior, mais do que qualquer outra, e semelhante tarefa passa por encarar os abismos de frente, coisa que a sociedade yerkish em geral evita a todo custo.

Dois trechos de teor filosófico que colhi nesse livro muito belo:

1. Ansiamos pelo paraíso e ansiamos por fugir da solidão. Procuramos fugir em busca de um grande amor ou vagando de pessoa em pessoa com a esperança de que no final alguém nos note, que alguém queira nos conhecer ou pelo menos conversar conosco. Pelo mesmo motivo, alguém escreve poemas de protesto, elogia seus ídolos ou faz amizade com os protagonistas de séries de televisão, acredita em Deus ou na camaradagem revolucionária, torna-se um delator para ser bem recebido pelo menos na delegacia ou torce o pescoço do seu próximo. Até mesmo o assassinato é um encontro de homem para homem.

Não só o amor pode nos tirar da solidão, mas também o ódio. O ódio é erroneamente considerado a antítese do amor, mas na realidade anda de mãos dadas com ele, e a antítese de ambos é a solidão. Muitas vezes nos damos a ilusão de que é o amor que nos liga a outra pessoa, embora na realidade ele não nos una mais do que o ódio, que inclusive preferimos à solidão. O ódio nos acompanhará enquanto não aceitarmos a solidão como nosso destino possível, ou melhor, obrigatório".

2. Mas quando um pouco antes ele leu em voz alta para mim que o homem havia se divinizado e que com isso havia abandonado o caminho reto, já me ocorrera que o homem poderia se comportar de maneira soberba não apenas quando se divinizava e se proclamava a quintessência da matéria e da vida, mas também quando se convencia de que havia entendido corretamente o incompreensível e expressado o inexprimível, quando inventava dogmas infalíveis e com a razão, que queria acreditar, atirava-se em algum terreno diante do qual não deveria senão baixar o olhar e se deter em silêncio. Poderíamos falar longamente sobre quando e onde ocorreu o desvio fatal - se é que houve algum - que deu origem ao espírito soberbo de nosso tempo, e também poderíamos discutir até onde deveríamos voltar para retificá-lo; no entanto, qual seria o sentido de tal disputa, se na vida de uma pessoa, como na da humanidade, não há volta atrás?".
Fabio Di Pietro 21/11/2023minha estante
Estava bem na dúvida se pegava ou não esse livro, mas sua resenha me convenceu. Vou na tua.




Peleteiro 17/07/2015

Surpreendente
Adquiri o livro despretensiosamente, aproveitando uma promoção da saraiva, e acabei me surpreendendo com a obra, que não possui um enredo interessante em si, mas encanta com uma narrativa capaz de promover profundas reflexões.
comentários(0)comente



() 07/03/2013

Leitura maçante e difícil
Quando me interessei por “Amor e Lixo”, esperava que o livro abordasse o cotidiano de varredor de rua do protagonista. Infelizmente não foi isso que encontrei. Apesar de ótimas passagens (em especial a respeito do próprio ato de escrever, algumas reflexões interessantes e observações sobre a vida e obras de Franz Kafka), o livro é construído a partir de memórias bastante fragmentadas – e, em sua maioria, banais. O foco de grande parte de “Amor e Lixo” é na verdade a vida dividida que o protagonista leva entre a esposa e a amante, um drama previsível, deixando a narrativa extremamente maçante e repetitiva. Não é uma leitura fácil, muito menos leve ou divertida, e não é recomendada para pessoas com baixa tolerância a pessimismo e conversa mole. Penei muito para terminar o livro e mais ainda para decidir que nota dar a ele – duas ou três estrelas? Afinal, “Amor e Lixo” tem seus méritos. Mas considerando que foi uma leitura que ficou muito distante das minhas expectativas, duas estrelas é mais que o suficiente.
Aline164 13/04/2013minha estante
Tive quase a mesma impressão. No começo fiquei empolgada, mas depois começa a ficar cada vez mais difícil de continuar. Depois, mais para o final, tive novo fôlego para terminar. As partes que mais me irritavam era quando o protagonista ficava pensando sobre sua própria indecisão sobre continuar com a esposa ou (muito menos provável) fugir com a amante. As partes em que a amante se comportava de modo infantil, com chantagens emocionais, também me davam vontade de abandonar a leitura. Mas, como você apontou, também tem os pontos altos que são as reflexões sobre a escrita e observações sobre a vida e a obra do Kafka.


Karol 07/03/2015minha estante
Quando vi essa crítica, fiquei com medo do livro, de achar massante. Mas, não discutindo com quem o acha, em minha opinião foi belíssimo. As críticas mais famosas dizem se tratar de uma poesia de temas cotidianos. Mas para mim, foi uma poesia de temas cotidianos sobre a liberdade. O que é ser livre? O que é viver com honestidade em relação às vontades? Quais são as consequências de romper com o idioma do "imbecilez" e seguir em busca de um paraíso em Terra, em busca de um êxtase em vida? Uma obra sensível, que passa com tranquilidade entre sonhos, amores proibidos, família, trabalho e revolução. Mas que, acima de tudo, mostra um conflito de quem tenta viver segundo a liberdade de um mundo entregue à imbecilidade e a liberdade de seu eu de "verdade". Sem cair em matafísica ou em apelos religiosos, a vida do escritor nos dá tanta beleza ao ler essa obra embalado ao jazz dos varredores de rua... Em resumo: inteligente, rebelde, confuso e vivo. Se me permite a comparação esdrúxula: Um Holden Cafield infinitamente mais culto, com as amarguras do velho continente, com uma ode à solidão e ao vazio que se sente, tanto quando se abre mão da alma e se busca em futilidade um jeito de preencher o eco do silêncio ou na eterna luta de quem tem uma alma e depara com as limitações humanas, tão egocêntricas, metidas a santa e, sempre, tão cheia de falhas. "O paraíso é acima de qualquer coisa, o estado em que a alma se sente limpa".




5 encontrados | exibindo 1 a 5


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR