Queria Estar Lendo 05/03/2019
Resenha: A Cor Púrpura
A Cor Púrpura, livro de ficção da feminista e ativista pelos direitos civis Alice Walker, não é apenas um clássico da literatura norte-americana, como também vencedor do prêmio Pulitzer em 1983. Editado no Brasil pela José Olympio - selo do Grupo Editorial Record, o livro conta, através de cartas, a jornada de crescimento e auto-descobrimento de Celie, no inicio do século XX.
A história começa quando Celie tem apenas 14 anos e escreve sua primeira carta para Deus, contando sobre o abuso sexual que sofreu nas mãos do pai. Ela, uma jovem negra vivendo no interior no sul dos Estados Unidos, em uma época ainda mais machista e racista, se vê sem ter a quem recorrer e, por tanto, escreve a Deus.
E nós acompanhamos sua vida pelos próximos 30 anos enquanto ela escreve suas cartas, também, para Nettie, a irmã desaparecida que Celie acredita estar morta. E é através das cartas que lemos sobre o abuso que ela sofreu nas mãos do pai, dos filhos que teve com ele e foram arrancados de seus braços, do casamento forçado com o Sinhô, da violência que sofre nas mãos deles e, principalmente, de sua solidão.
Nettie é a única pessoa que já amou Celie, e ela, por sua vez, ama a irmã ferozmente, fazendo de tudo para impedir que ela também seja abusada pelo pai. Porém, ao longo dos anos e através da amizade que firma com Shuga Avery, uma cantora da cidade que já foi amante de seu marido, e com Sofia, a esposa de seu enteado mais velho, Celie passa a descobrir que seu mundo pode ser muito maior do que trabalhar e servir o Sinhô e apanhar dele.
"Eu nem olho pros homem. Essa é que é a verdade. Eu olho para as mulher, sim, porque não tenho medo delas."
Aos poucos, ela descobre a amizade e o amor e a força, o poder da educação e o direito a ser reconhecida como um ser humano. A Cor Púrpura levanta temas muito relevantes ainda hoje, não só ao tratar da violência contra a mulher e o racismo, mas também ao falar da precária educação das mulheres - em especial as negras -, do machismo, do patriarcado, da segregação, da vivência da mulher negra, da espiritualidade versus a religião, da descoberta (e aceitação) da própria sexualidade.
Ao passo em que é um livro de leitura muito fácil, quebrado em cartas geralmente curtas que você lê e lê sem ver o tempo passar, ele traz reflexões grandes de formas descomplicadas. Quando terminei de ler, fiquei parada um tempo absorvendo o fato de que essas personagens não são reais, algo que parece tão absurdo visto o nível de envolvimento que tive com elas.
Ao falar da espiritualidade, especialmente, foi onde Alice Walker mais me pegou. Mostrar Celie se voltar para Deus em busca de ajuda, se frustrar, o negar e então finalmente entender a diferença entre espiritualidade e fé, e a religião foi, para mim, muito importante.
"Mas eu num sei como brigar. Tudo o queu sei fazer é cuntinuar viva."
A Cor Púrpura fala de uma realidade distante e, ao mesmo tempo, muito próxima. Ela não marca, exatamente, o tempo em que foi escrita. Não cita propriamente datas ou grandes acontecimentos para que possamos nos localizar, mas não é apenas isso que o torna atemporal. Infelizmente, muitas das mazelas vividas por Celie - e pelas mulheres a sua volta - ainda são bastante atuais.
Porém, são justamente essas mulheres que constroem a melhor parte do livro. Celie, Nettie, Sofia, Shuga, Mary Agnes... Elas são tão diferentes entre si e, ainda assim, conseguem firmar laços de amizade e gerar cenas de pura sororidade. Chorei com elas, ri com elas, sofri por elas e também as aplaudi. No fim, faz pensar que se essas mulheres tão diferentes conseguiram se amar e se apoiar, porque nós temos tantos problemas para fazer isso?
"Você deveria ver como elas mimam o esposo. Louvam suas menores realizações. Enchem eles com vinho de palmeira e doces. Não é de admirar que os homens quase sempre sejam tão infantis. E uma criança adulta é uma coisa perigosa, especialmente quando, como entre os Olinka, o marido tem o poder de vida e morte sobre sua esposa."
No fim de tudo, A Cor Purpura chegou ao topo dos meus favoritos. Celie agora anda de mãos dadas com Mariam, a protagonista de A Cidade do Sol, no meu ranking de protagonistas preferidas, e se tornou uma leitura que eu indico para todo mundo. Uma leitura rápida, direta, o retrato de uma sociedade que ainda, infelizmente, existe, cheia de reflexões tão extraordinárias quanto suas personagens.
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