Bruno 14/03/2014Na onda das leituras de Gabriel García Márquez, O general em seu labirinto está entre os que ganharam uma versão com o novo (lindíssimo) projeto gráfico neste começo de ano, junto a Ninguém escreve ao coronel, resennhado há algumas semanas atrás. Este livro tem uma proposta semi-jornalística, semi-romântica que acaba em um livro que poderia se chamar de romance histórico. Este livro especificamente conta a história do El Libertador da América Latina, o general Simón Bolívar, figura que Gabo fez o favor de estudar por um longo tempo (passando inclusive pelas memórias em 37 volumes de um dos colegas militares do liberal).
Não bem como uma biografia – a história contada não é a de sua vida ou a de suas guerras, mas a do seu crepúsculo. Os últimos meses da vida do general (título pelo qual ele é tratado durante toda a duração do romance), a sua desesperança e o temor de ter todos os seus feitos e sonhos desfeitos a partir da sua morte. O retorno do general Santander, seu principal rival; o desmembramento da Grán Colômbia; a expatriação de seus inimigos exilados e o seu apagamento da história latino americana. É interessante a leitura feita tanto tempo depois do acontecimento da história real, quando já temos todas as respostas para os medos que o assolavam.
Este é um romance narrado em atmosfera lúgrube. Bolívar está tuberculoso e deprimido, e seu estado de espírito contamina a narrativa e a ambientação. Pelos seus próprios olhos e de seus bons amigos, incluindo o seu mais fiel serviçal José Palacios, acompanhamos o seu quase auto-exílio para a Europa; a sua peregrinação à Cartagena das Índias, para o litoral; as últimas euforias e ânimos do seu estado minguante. Ao mesmo tempo, recebemos relatos também de alguns de seus episódios marcantes, como os atentados à sua vida e alguns de seus casos, tamanho “mulherengo” que foi em vida.
Não como uma biografia, a ficcionalização do general pelas mãos de García Márquez tem o pró de apresentar um retrato não demasiado idealizado de seu protagonista – um dos elementos que costuma me incomodar na leitura de biografias, como disse na de Jackie editora durante uma das leituras do começo do ano. Aqui somos apresentados a um general orgulhoso e temeroso. Apesar de honrado, é tempestuoso e instável. Tenta explicar as suas próprias contradições e pensamentos políticos mas, mais como pessoa que como símbolo histórico, temos uma imagem ambivalente de Simón Bolívar que pode ser agradável a uns tanto quanto desagradável e impetuoso a outros.
jbolivar (1)Seu labirinto é a morte que lhe persegue a cada passo: aos quarenta e sete anos de idade, já está mirrado, de cabelos brancos e rareando, rugas no rosto, parecendo um decrépito que já teria passado os sessenta. Mas a sua recusa em se deixar vencer, em demonstrar os sintomas e de se apresentar como o moribundo que deveria ser é o que constrói a sua contradição inrente: a do doente que está saudável, e aquele que já morreu não apenas fisicamente, mas também com seus medos morais, tenta resgatar a última chama que internamente lhe consumia.
Não é um livro de leitura particularmente fácil, mas a voz de García Márquez, característica como só, também se reproduz nos pensamentos do general, nas suas dificuldades e na sua vida. Talvez o que torne um texto algo enfadonho são as constantes alusões históricas a personagens e lugares da vida de Bolívar que, apesar de não serem de todos desnecessárias, podem acabar enrolando a cabeça de alguém que, como eu, é mais leigo nesta questão. Escrito por um colombiano, entretanto, o livro não deixa de ser coerente com o que propõe. Estas inserções e referências não são detrimentais, mas pode acabar soando insosso para quem só as vê como mero aditivo factual. Pode ser que Gabo esteja querendo mostrar o seu trabalho com a pesquisa. Mas também, olhando por outro ângulo, pode ser algo a mais: a representação da vida de alguém que conheceu tantas pessoas e que, apesar de ter marcado muita gente, também se deu ao trabalho de conhecer a várias. Uns a fundo, outros nem tanto. Nomes vêm e vão.
Como desconhecedor da vida de Bolívar (tudo o que aprendi em relação a ele se resume a alguns parágrafos na apostila de história retratando-o como integrador idealista), sinto que foi uma leitura construtiva. Mesmo não conseguindo registrar parte do conteúdo, o panorama é apresentado de maneira clara e literária. O clima político do país em decomposição, as personagens que foram fundamentais na construção desse ambiente, e a pessoa que foi o general, Símon Bolívar. Não se pode dizer que condiz com a realidade no sentido de que qualquer representação nunca se igualará – e, na literatura, este conjunto de real e irreal e mímeses e simulacros, ainda menos. Mas podemos acreditar que este retrato pintado em palavras, feito a pincel fino, tem uma composição que, se não é igual a realidade, ao menos a embeleza.
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