Elise 12/03/2018The DoorsHuxley traz reflexões muito interessantes acerca da sua experiência com mescalina, e mais, sobre o uso de drogas no geral e sobre a (in)consciência humana. O que me trouxe ao livro foi, primeiro, descobrir que a banda de rock psicodélico The Doors retirou seu nome da obra. Em segundo lugar, a recomendação de um professor da liga de Farmacodependências, que ministrou uma aula sobre terapias psicodélicas. De fato, há vários termos científicos no livro, mas creio que eles podem ser entendidos sem problemas por qualquer leitor. Os empecilhos da leitura são de outro tipo, na minha opinião - os devaneios excessivos e com muitos detalhes sobre obras de artes plásticas. Não me leve a mal, o Louvre é um dos meus lugares favoritos do mundo, porém acho que as relações traçadas nesse campo não eram tão pertinentes à proposta inicial. Mas qual era a proposta inicial mesmo?
Um dos primeiros pontos que o autor aborda é a relação entre doenças da mente e doenças físicas, de um jeito muito interessante e que não tinha visto ainda na faculdade de medicina. A lógica é: e se uma doença mental (esquizofrenia) fosse devido a uma disfunção química (adrenocromo, composto de degradação da adrenalina) - e essa, por sua vez, fosse devido a um problema psicológico afetando hormônios (no caso, as adrenais e a produção de adrenalina)? Essa conexão foi algo que me fez ter certeza que eu estava lendo o livro certo (e foi algo que me fez aguentar as longas análises sobre pinturas, risos). É muito necessário enxergar a doença como algo completo assim, para que possamos tratá-la de modo eficaz.
Ainda nessa vibe mais bioquímica, Huxley explica que a mescalina atua inibindo enzimas que fornecem glicose ao cérebro - como consequência, a percepção visual é aumentada. Além disso, ele teoriza sobre a "Mind at Large". É basicamente a proposta que temos uma mente e um subconsciente gigantesco, porém nosso sistema nervoso trabalha para inibi-los (pois ficar contemplando, etc, não seria extremamente essencial para a sobrevivência). É a reducing valve. No entanto, com a ingestão de drogas que diminuem a quantidade de açúcar ao cérebro e, consequentemente, sua eficiência em fazer esse bloqueio da mente por inteiro, é possível ter acesso a outras camadas dela. Esse estado pode ainda ser alcançado por outros métodos que não sejam as drogas - um deles é baixar o nível de CO2 no sangue, através da bradipneia. Essa bradipneia poderia ser decorrente de exercícios de yoga ou mesmo se cantarmos prolongadamente (sabia que ia tocar em música eventualmente na resenha! Bj, Jim Morrison). Outras fontes de bradipneia que Aldous menciona ainda são ritos religiosos e mágicos. De qualquer forma, a consequência é, então, a entrada nas experiências místicas e visuais/visionárias da consciência expandida, que, segundo o autor, permitem que o indivíduo se torne mais sábio, porém menos pretensioso; mais feliz, porém menos satisfeito; e, finalmente, mais humilde em reconhecer sua ignorância, porém melhor equipado para perceber a relação das coisas com o mundo.
Mas... será que queremos chegar nesse estado de "expansão da mente" mesmo? O autor me convence que sim. Afinal, se cigarro está ligado a câncer de pulmão e acidentes de carro com motoristas alcoolizados são tão comuns, por que fumamos e bebemos? Ora, porque queremos, de fato, escapar da realidade e porque buscamos algo a mais. Nesse contexto, uma solução factível seria trocar essas substâncias por outras que seriam menos prejudiciais à saúde e à sociedade, numa espécie de redução de danos. É aqui que entraria o papel dos alucinógenos, que causam baixa dependência e tendem a ter efeitos benéficos (não são como o álcool, por exemplo, que deixa a pessoa eufórica e propensa à violência). Na época de Huxley, os experimentos científicos com LSD e afins estavam no auge, porém acabaram sendo seguidos de um período de negligência e estigmatização (muito provavelmente devido à conotação política e de contestação que essas substâncias adquiriram com a contracultura). Mas agora, no século XXI, vivemos a era do "renascimento psicodélico", em que ecstasy (MDMA) é usado para tratar estresse pós-traumático com incrível eficácia. Assim, The Doors of Perception/Heaven and Hell acaba se tornando um livro atual e necessário.