Bruna.Ceccato 27/03/2024
O mito da beleza é um livro necessário a todas as mulheres. E recomendo como ótimo começo a quem recém iniciou em estudos da teoria feminista. O livro é de fácil entendimento, mesmo trazendo bastante dados acadêmicos.
Porém preciso ressaltar alguns pontos, até para demarcar meus próprios estudos. (o skoob é uma ferramenta de estudos para mim).
O livro foi lançado em 1991, portanto já fazem bem dizer 30 anos. A autora escreveu uma introdução em 2015 que foi incorporada ao livro que comprei, e como a mesma ressaltou, muitas coisas mudaram nesse período, algumas pra melhor e algumas para pior. Acredito que teria sido de muito valor se ela aproveitasse para atualizar o livro, porque há muitas informações que estão bem desatualizadas. Isso me referindo a dados de pesquisas mesmo. Claro que é importante entender o contexto da época, mas teria sido ótimo se ela tivesse atualizado todo o conteúdo ao invés de só um capítulo.
Mas o que seria o Mito da Beleza?
Segundo a autora é um conjunto de regras impostas as mulheres como uma forma de refrear nossos avanços políticos. Regras que não estão na lei, mas regem a vida das mulheres. São ideias impostas pela mídia principalmente, que adentram na sociedade e se tornam nossa subvida. E ele se intensifica toda vez que mulheres possuem um avanço nas esferas de poder. Por exemplo, como forma de refrear os movimentos da primeira onda nós tivemos a "mística feminina", onde mulheres eram incentivadas a serem perfeitas em tarefas do lar, que eram inesgotáveis e efêmeras, da mesma forma que para refrear a segunda onda somos levadas a uma busca muito pior, a busca à beleza. Buscas essas que nos tiram a energia de nos organizarmos como classe, e de nos voltarmos aos verdadeiros problemas femininos, como a falta de representatividade na política e em cargos de importância, falta de mulheres em áreas de estudos específicos, violência contra nossa classe sexual, violência contra crianças, entre outros temas de que nos afetam diretamente. Como lutar contra o sistema quando se está esgotada? Seja pelo serviço do lar, seja pela busca do corpo perfeito. Não temos tempo.
E o que é a beleza? É algo inalcançável. Um padrão que está constantemente mudando, para que nunca seja verdadeiramente alcançado. E sempre se transformando para englobar cada vez mais as mulheres, afinal se muitas perderem o interesse nessa busca o sistema sofrerá um colapso.
Vejamos, na década de 90 o padrão de beleza era ser magra ao ponto que tínhamos uma epidemia de anorexia e bulimia. Como isso fugiu do controle de quem tem interesse no padrão, aos poucos houveram movimentos em torno de "aceitação" e de "quebra de padrões", com isso englobando uma gama muito maior de mulheres aderindo à essa nova "beleza". Mas nunca esse movimento foi verdadeiramente incentivador a se aceitar totalmente, afinal, como ter lucro com alguém que se ama do jeito que é?
Você pode até achar que hoje vivemos nessa filosofia de aceitação. Mas a moda de ser bonita "naturalmente" inclui os preenchimentos, os liftings, os lasers. Depilação a cera? não mais, hoje temos a luz pulsante. Toneladas de maquiagem? Não mais, a moda é skincare e procedimentos no dermatologista. Entendem a lógica? O padrão sempre irá mudar e inclusive ele vem demonstrando que agora irá incluir até as mulheres mais velhas, que eram a classe mais prejudicada pelo mito. Você passar dos 40 anos já era um crime no passado, hoje é apenas uma nova possibilidade de a indústria lucrar com procedimentos para que você não aparente sua idade.
Um último ponto de concordância que tenho com o que a autora escreveu é sobre a divisão das mulheres, e como a solução para desmantelar o mito reside em nós mesmas. Precisamos aprender a admirar mulheres, e acabar com a rixa entre mulheres jovens e velhas. Se espelhar em mulheres. Ler sobre mulheres e o que elas escreveram. Admirá-las verdadeiramente. Ser paciente com as jovens e escutar as mais velhas. Precisamos quebrar o ciclo de rixas e competitividade entre nós. Entender que não é necessário somente o amor romântico para motivar nossos elos.
Agora sobre as discordâncias.
A autora dá uma ênfase em ser algo político, e em alguns momentos diz que se os homens amassem verdadeiramente as mulheres as coisas mudariam. Me pareceu muito discurso de quem quer agradar, porque quando você termina o livro isso fica muito claro de que não é bem assim. Gosto de acreditar que a autora quis jogar isso como forma de alcançar o público fora da bolha, afinal feminismo continua sendo um "palavrão", então ótimo da parte dela para alcançar mais mulheres. Mas sabemos que ficou bem deslocado essa fala. O opressor não vai amar os oprimidos porque quis. Aqui poderia ficar horas falando sobre outras autoras, principalmente Gerda em seus estudos sobre patriarcado. O que mais discordei e irei continuar achando absurdo é que um dos motivos que ela trás para essa "falta de amor" seria o fato de que os homens não cuidam intimamente das meninas quando elas são crianças. E isso tem motivo, pois os maiores índices de abuso são nessas tenras idades, portanto achei bem descabido essa visão da autora, ainda mais de uma pessoa que escreveu um livro que fala justamente de violência e abuso.
Também no final do livro ela fala que não quer atacar quem quer usar um batom porque se sente bem (novamente a política de abraçar fora da bolha), mas isso foi bem contraditório na minha opinião. Afinal se pra se sentir bem eu quiser fazer uma harmonização facial, ai já é problema? Achei contraditório incluir esse tipo de mensagem no final da leitura, não deveria haver esse tipo de comentário em lugar nenhum.
Bom, o mito se propagava pela tv e pelas revistas nesses anos, e o quanto ele conseguiu alcançar com a nova era das redes sociais? Seria muito interessante ver um novo estudo acerca do mito na nossa sociedade hoje, pós internet, pós Instagram. Seria ótimo também um recorte maior de classe e de espaço, já que a autora é estadunidense. Poderia haver muito a acrescentar estudando o nosso país por exemplo.
Meu parecer final, é que o livro é de um valor inestimável para com as gerações anteriores. A nossa pode também tirar muito proveito do que está aqui. Não precisa procurar muito para descobrir que muitas mulheres ao seu redor ainda estão dominadas pelo mito, e colocando o corpo em risco só para atender padrões que nunca serão alcançados e estão sempre mudando. Nós vivemos ele e é muito difícil de se libertar. Seguimos tentando, seguimos lutando.
Edit1: Após ler várias resenhas no skoob vi que a maioria destaca a falta de recortes de raça pela a autora. Olha, por isso que acho importante datar o livro quando estamos lendo. Foi muito pioneiro da parte dela lançar as visões contra a indústria pornográfica e cirúrgica em pleno auge das playboys e implantes siliconados. Considerando o ano que foi escrito e lançado entendo que é nosso papel ler de forma crítica e entender que pertence a determinada época e que somente muitos anos depois que passou a se ter a preocupação com todas as mulheres, independente de raça. Não é segredo para ninguém que as primeiras ondas do feminismo foram bem elitistas, e cabe a nós retirar o que pode-se aproveitar e o que devemos transformar urgentemente. Não concordo com os comentários sobre o livro ser classificado como " problemas da classe rica", porque a autora deixa bem claro que seus estudos eram sobre as mulheres da classe trabalhadora, inclusive demonstrando o quanto as mulheres assalariadas gastavam do seu dinheiro que era pouco com procedimentos estéticos, nunca conseguindo subir de patamar por isso. Li inclusive comentários sobre ser um assunto batido, e novamente reitero a necessidade de datar. Pode ser batido hoje, mas na data de seu lançamento foi pioneiro.
Os dados são enviesados? Sim, há muitos que devemos ter cuidado ao acreditar como verdade absoluta. Por isso que quando abrimos um livro de teoria, devemos trazer junto nosso censo crítico. Há muita coisa questionável escrita por ela, mas também há muito que se provou ser verdade, basta analisarmos sobre a ótica "do futuro", nossa realidade material agora. Ela falou sobre a influência do pornô ser cada vez maior, e isso nós vemos agora. O quanto nossa cultura pop se tornou um mundo de softporn. Não precisa mais comprar playboy, basta assistir um vídeo de música pop. Até 50 tons virou um boom, submissão, masoquismo, tudo isso está a luz do dia e para quem quiser acessar. Outra coisa que ela acertou foi o fato de o mito da beleza hoje englobar os homens. Então temos muito interessante a extrair desse livro, basta ter senso.
Agora como havia escrito, precisamos de novas autoras que aprofundem os estudos englobando TODAS as mulheres. Recortes apropriados de raça, de poder econômico, de idade e de espaço geográfico precisam ser feitos. Essa teoria pode ser muito bem explorada, mas atualmente não podemos focar em somente um grupo.
Sobre a vida pessoal da autora, sinceramente, quero ver se vocês fazem isso com os autores homens também, ou só apedrejam as mulheres. Porque na hora de ler homens misóginos, abusadores, vocês decidem separar o autor da obra. Vamos parar de hipocrisia.