Jonara 06/03/2014
Quem é Lucy?
No dia que acabei o livro, eu fui para cama e não consegui domir. Eu só pensava em Lucy. Foram horas e horas e horas lembrando das ações de Lucy, da história da África do Sul, a história pessoal do Coetzee e a história dos Afrikaners. Em um determinado momento, algo finalmente fez sentido. Agora, quanto mais eu penso, mais faz sentido, e isso me faz pensar na simbologia das outras mulheres do livro, que eu ainda não decifrei.
Para mim, Lucy representa os Afrikaners, um povo descendente dos Holandeses. Muitas referências no livro mostram isso. Sua mãe era holandesa e David, em muitas ocasiões, suplica a ela que volte para a Holanda. Mas ela não pode, e se submete a violência e à humilhação. Por que uma mulher faria isso? Por que ela não é uma mulher. Ela é a representação deste povo que já não é mais holandês, apesar de sua origem. Este povo agora está estabelecido nesta terra, está estabelecido na África, e não pode simplesmente ir embora. Não tem para onde ir, não é simples assim.
Lucy representa todas as pessoas que Coetzee ama e que sofrem ao se submeter às condições precárias do país. David representa os desejos e argumentos de Coetzee. O sofrimento de David por sua filha é o sofrimento de Coetzee pelo povo. Há um amor profundo, porém não há entendimento. Coetzee foi embora da África. David fica. Lucy e o povo ficam.
Petrus representa o governo. Um governo que é cego quando lhe convém. Que abriga marginais. Que se faz de desentendido. Que é corrupto. Lucy, o povo, aceita se submeter às regras, mesmo que injustas. É o único modo de sobreviver e ficar na terra.
Com essa leitura, muitas passagens do livro começaram a fazer sentido. Tive vontade de reler imediatamente, mas vou deixar para o futuro, depois de amadurecer mais um pouco. Lucy muitas vezes fala para David: já aconteceu antes, você não estava lá. São fatos da história da África do Sul. Bev parece aceitar melhor o fatalismo da situação. Parece saber mais sobre Lucy que David. De certa forma, Bev sempre esteve perto de Lucy. David não. Coetzee não esteve o tempo todo na África. Ele não estava lá em muitos momentos difíceis. Ele não estava lá ao longo de toda a história.
Nesta mesma noite, pensei que talvez Soraya e Melanie também representem situações da história da África. Soraya representa a ilusão de David, de que as coisas estavam sob controle. O país no apartheid, quando os brancos (incluindo Afrikaners) achavam que estavam no controle. Mas um dia ele viu a realidade, e as coisas não puderam mais ser as mesmas.
Melanie representa um momento de mudança de poder. David é julgado, admite que estava errado, mas não vai assinar uma confissão. David representa os brancos? Seria uma representação do fim do apartheid?
E aí voltamos a Lucy, e à representação do que está acontecendo com os Afrikaners na África do Sul. Será que foi isso que Coetzee quis nos mostrar?
Penso que é um caminho. Ainda vejo muitos enigmas a serem desvendados neste livro. O que eram os cães? O que era o fogo, que David tanto fala que Melanie provocou, e por fim, ele mesmo pegou fogo? Por que Byron?
Enfim, esta resenha ficou imensa, mas este livro realmente me deixou muito intrigada e a chave de tudo era Lucy. A falta completa de lógica da personagem foi o que me motivou a buscar uma explicação maior para o livro, e se eu estou na pista certa, creio que este é um livro monumental.