spoiler visualizarRonaldo Thomé 28/04/2020
Aprendiz de Contos
Belo livro que nos mostra um lado menos conhecido do poeta Drummond de Andrade: seu talento como contista.
Aqui, ele trabalha um punhado de histórias bem interessante, com diversos resultados diferentes. Em geral, as histórias escolhidas (entre as quais, duas foram acrescidas de outros livros) se passam no mesmo pano de fundo: o Brasil do início do século XX. O autor nos transporta para o interior de Minas e a capital, então Rio de Janeiro, mas suas histórias são bastante universais, tratando de temas como a infância, a adolescência, o amadurecimento, a velhice precoce.
Alguns são sublimes (Beira Rio), outros bastante reflexivos (A Doida); alguns muito cômicos (O Sorvete), outros meio sem graça (Nossa Amiga). Há ainda espaço para uma história que faria bonito em listas de creepypasta (Flor, Telefone, Moça), e outro com uma leve trama noir (Miguel e Seu Furto). O último conto, que se refere ao isolamento e à solidão do escritor, não chega a parecer exatamente autobiográfico. Mas vale como uma advertência inteligente para os meandros de quem se aventura nessa profissão e fecha a trama com chave de ouro.
Caso você tenha a edição da Companhia das Letras, aproveite o posfácio, que comenta alguns desses contos; isso ajudará a reparar em uma unidade bastante sólida na relação entre algumas das narrativas. De fato, os três primeiros contos falam sobre os temas mais universais: a masculinidade, a violência e a agressividade, e a maneira como tudo isso se despedaça conforme você amadurece.
O estilo de Drummond é bastante típico dos contistas e cronistas da época; ele não chega a mergulhar em regionalismos, ou experiências narrativas. Seus contos são simples, sendo que seu desafio é o vocabulário típico do Brasil da década de 1950. Há de se supor, por isso, uma linguagem bastante formal, com uso intenso de adjetivos e advérbios, como é comum do autor, embora menos do que de costume na sua poesia.
Para algumas pessoas, ficará clara uma certa semelhança do estilo com Machado de Assis; é interessante que Drummond não era exatamente um fã do autor, mas é inegável que o texto carrega semelhanças: a ironia, as situações cômicas causadas pelo cotidiano, a forma como o autor mostra o ridículo de uma sociedade conservadora e cheia de costumes.
Recomendado para: quem quer saber um pouco mais sobre o Brasil de antigamente; a violência implícita, a relação do homem com esse meio, as formas de viver que se desenvolviam na época. Não é exatamente um livro leve para passar o tempo; é mais adequado para quem quer refletir sobre variados temas, muito presentes ainda hoje, ainda que seja mais acessível e menos denso que a poesia típica do autor.
Nota: 9,5 de 10,0.