Lucas1429 15/06/2022
Duas doses de esporrada (metafísicas)
Metafísicos são ambos os protagonistas desta novela intensa e cruenta. Num subtexto político e social, Raduan não disfarça sua logra em engendrar um personagem masculino arbitrário, machista e direitista; a musa, seu enrosco atual, atenta ao enquadramento dado ao seu gênero, mas da inferioridade ela é pertinaz e bem resolvida ao tal papel institucional, ferroa com palavras, acerta com a esquerda, qual sua ideologia, na figura onipresente em que ele é abençoado nos pormenores descritivos dos quatro primeiros mini capítulos, ou partes, num fluxo de consciência exímio de um gênio passageiro como Nassar, obra curta, impressão no espectador, vasta.
Escritos de poucas páginas, gabarita no prenúncio em atar e desatar dois [*****]mplices amorosos, ele e ela, sem nomes, verbalizam indiretamente seus gozos, no enlace erótico que a trama delineia até seu estouro encolerizado – o ato capitular “O Esporro”. A metáfora titular ainda guarda mistérios, não é clara para muitos leitores, a mim, bambeia em dúvidas. O casal, ou rivais, os metafísicos, são categorizados desta forma pela transação de sua guerra particular, uma simples cerca agredida por formigas é o estopim dele em transbordar seu copo empastado do líquido raivoso que ressoará sobre ela, vítima, ouvinte, observadora, reles objeto de cena. Mas esse copo se preenche de que para tamanha explosão? Parece mesmo que precisamos adivinhar, junto da sofreguidão causal, o simbolismo da reação dele, adiantado no café da manhã ao bebericar o recipiente cilíndrico composto de pessimismo.
Sem descrições situacionais em delongas, ou mesmo um desenvolvimento do que é despejado de um sobre o outro, Nassar vai no subtexto para cumprir seu objetivo, ferir uma fera já ferida que renuncia afeto acalorado (a visão dela no epílogo finaliza essa recusa), fruto de um contexto chumbado (lançado em plena ditadura) e solapado nas entranhas dos relacionamentos amorosos. Literalmente um amor nos tempos da cólera. A cólera racional, sentimental.