Higor 19/06/2021
'20 melhores livros do século 21': Livro 12
É impossível não se sentir aguçado por Middlesex, seja pelo título curioso e sugestivo, mas que descobrimos depois se tratar de algo totalmente diferente; a capa com um misto equilibrado e clássico e moderno, ou até mesmo o assunto, sobre a vida de uma pessoa hermafrodita.
Para impulsionar mais o interesse pelo livro, temos ainda sua vitória em alguns prêmios literários importantes, sendo o maior deles o Pulitzer de 2003, e, por fim, uma menção em uma posição confortável na lista de 20 melhores livros do século 21.
Apesar de tantas láureas e aclamações, Middlesex é um livro frustrante em diversos pontos técnicos, ainda que suas honrarias se sobressaiam, afinal, muito da história é, de fato, empolgante e interessante.
Sendo uma versão moderna e europeia e romances como Cem anos de Solidão e A casa dos espíritos, em que o fio condutor de três gerações de famílias e suas histórias são contadas, temos aqui a família Eleutherios Stephanides, um jovem órfão que mora com sua irmã, Desdêmona na Grécia, onde mantém uma fazenda e produção de seda. Quando os turcos invadem a Grécia, ambos fogem para a Turquia, em Esmirna, onde dias depois ocorre o fatídico Incêndio de Esmirna, em que cerca de 100.000 gregos morreram.
Para fugir da Turquia, os Stephanides fingem ser parisienses para entrar em um navio, e depois embarcam rumo à América, onde uma prima distante os ajudará a ter um novo começo. É quando declaram seu amor ao outro e iniciam aí uma relação incestuosa. Só quando do nascimento de Zoe que Desdêmona descobre que frutos de relações incestuosas costumam nascer com doenças, então se reprime sexualmente, dando a luz, por fim, a Milton.
Milton, depois de suas próprias desventuras e problemáticas de segunda geração, se casa com Tessie, sua prima de primeiro grau, dando a luz, assim, a nossa protagonista onisciente, Callíope, uma moça que, já na primeira linha do livro sabemos ser hermafrodita, por ter nascido com uma mutação conhecida como deficiência de 5α-redutase, em que, de maneira resumida, causa ambiguidade genital.
Middlesex é um livro bastante amarrado e que o leitor tem a história em suas mãos, afinal, trata-se de um livro de 600 páginas; além disso, o próprio Eugenides não tem pressa em nos contar a história dos Stephanides, logo, descrições são contadas sem pressa, assim como o incêndio em Esmirna, ou o modo de vida de Desdêmona e seu irmão e suas produções de seda; muito menos ainda a descoberta da sexualidade e as reprimendas de Callíope.
São fatos incontestáveis que, apesar de tornar o livro um tanto cansativo, a leitura inicialmente pesada e, por que não dizer?, até mesmo prolixa, apenas nos mostram como o autor queria contar uma história sem furos, condizentes com dados históricos e extensas pesquisas feitas, mas é justamente nesse cuidado com os furos que os mesmos se sobressaíram em diversos momentos. A narração onipresente de Cal beira o desconforto, pois a mesma narra com riqueza de detalhes coisas que sequer seriam possíveis, como o pensamento da avó quando jovem, sozinha em casa, enquanto o irmão estava bebendo em outro canto da cidade, ou quando o próprio pai sofre um acidente de carro e é narrado por Cal, que está há milhares de quilômetros de distância.
São fatos que me deixaram desconfortável com a leitura, e até mesmo um tanto distante de Cal e de tudo o que estava acontecendo naquelas páginas. Não que eu senti apatia pelo que lia, mas, ao mesmo tempo, não me vi empolgado com os acontecimentos e nem esperava ansiosamente pelo desfecho.
Um pouco mais enxuto e ágil, Middlesex seria um livro ainda mais poderoso sobre identidade de gênero, interssexualidade, relações raciais, étnicas e culturais, pois seus temas abordados são, por si só, incríveis e instigantes, e embora tenha falado sobre de maneira eficiente, Eugenides talvez tenha pesado a mão e deixado tudo um pouco enfadonho.
Um pouco menos épico que o esperado, como são de fato as histórias de origem grega, Middlesex cumpre com ressalvas seu papel de contar a história da geração de uma família atípica. Um livro memorável para o século, ainda assim, apesar de pouco lapidado.
'20 melhores livros do século 21' é uma lista encomendada pelo site de cultura da BBC, em que diferentes especialistas foram responsáveis por eleger os melhores livros do mais recente século. Conheça os demais livros, todos já resenhados:
13. Americanah, Chimamanda Ngozi Adichie
14. Austerlitz, W.G. Sebald.
15. A amiga genial, Elena Ferrante.
16. A linha da beleza, Alan Hollinghurst.
17. A estrada, Cormac McCarthy.
18. NW, de Zadie Smith.
19. 2666, Roberto Bolaño.
20. O grande incêndio, Shirley Hazzard.
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