Spy Books Brasil 06/07/2023
Livro lento e cheio de preconceitos
Desde a criação do Spy Books Brasil, eu prometia resenhar um livro de James Bond, provavelmente o mais famoso entre todos os espiões da literatura e do cinema.
Por mais inacreditável que seja, eu nunca tinha lido nada escrito por Ian Fleming, embora tivesse assistido a vários dos fantásticos filmes da franquia 007.
Bem, essa falha está finalmente corrigida. Para trazer James Bond para o blog, eu decidi iniciar por Cassino Royale, o primeiro livro de Fleming, onde ele cria seu super agente secreto. Devo confessar que me decepcionei um pouco, mas tudo a seu tempo.
Antes de chegar nas críticas, vamos conhecer a trama.
A trama – O agente soviético Le Chiffre está em apuros porque perdeu parte considerável do dinheiro da MWB (como Fleming rebatiza a KGB). Temendo ser eliminado pela SMERSH, grupo de assassinos da MWB, ele vai tentar recuperar o dinheiro numa mesa de baccarat no cassino Royale. Cientes da situação, o MI6 e o Deuxième Bureau (serviço secreto francês) enxergam uma oportunidade de neutralizar o agente inimigo derrotando-o na mesa de Baccarat.
Para cumprir a missão, o diretor do MI6, identificado simplesmente como M, envia um de seus oficiais de ponta, o agente James Bond, também conhecido por seu código no serviço: 007.
Bond terá de provar que nem só de sorte se faz um vencedor no carteado, mas não tem ideia real das forças que estarão atuando contra ele.
As personagens – A grande estrela do livro, claro, é James Bond. Ele é vendido como um assassino frio e cruel, um sujeito durão que não mede esforços para cumprir sua missão. Ele ganhou recentemente o duplo zero por ter completado duas missões anteriores de assassinato. Arrogante, autosuficiente e extremamente machista, Bond é o tipo de oficial que prefere trabalhar sozinho para não ter de se preocupar com eventuais parceiros em apuros.
Para desgosto dele, porém, M envia uma agente mulher para ser sua parceira na missão. Vesper Lynd é uma jovem morena descrita com lindíssima, que terá como missão estabelecer os contatos de Bond com Londres e com o agente de ligação no serviço secreto francês. Tirando as descrições machistas sobre os atributos físicos, pouco se sabe a respeito de Vesper.
O grande vilão é Le Chiffre, figura enigmática que apareceu ao fim da Segunda Guerra Mundial como refugiado de campo de concentração, alegando perda de memória para não revelar sua identidade. Como ninguém sabe seu nome verdadeiro, ele próprio adotou o nome Le Chiffre, que em francês quer dizer "O Número", alegando que se tornou apenas um número no passaporte que foi concedido pelas autoridades francesas (304-596).
Na França, Le Chiffre se tornou uma espécie de associado do serviço secreto soviético, dominando o Sindicato dos Trabalhadores da Alsácia, que é um reduto comunista. Nessa condição, ele recebe dinheiro do MWD e acabou de fazer um mau investimento com os recursos soviéticos. Para tentar recuperar o dinheiro, decidiu apostar numa mesa de baccarat no cassino Royale, situado na fictícia cidade de Royale-les-Eaux, no norte da França.
Ritmo e preconceito - O primeiro motivo para o meu desapontamento com o livro vem do ritmo lento. Como eu me acostumei a ver James Bond em filmes de ritmo alucinante, é estranho descobrir que o primeiro livro da série gasta vários capítulos iniciais descrevendo regras de jogos como baccarat e roleta.
Eu entendo que Ian Fleming fosse apaixonado por baccarat, por isso escolheu esse jogo para a mesa em que Le Chiffre vai tentar recuperar seu dinheiro. O problema que ele criou para si mesmo, com essa escolha, foi ter de explicar a eventuais leitores que jamais pisaram num cassino como as regras do jogo funcionam. Os capítulos destinados à essas "aulas" de Baccarat são arrastados e quebram bastante o ritmo.
Além dessa questão do ritmo, outra coisa que me incomodou foi o enorme preconceito contra mulheres abertamente declarado na trama. Ok, a história foi escrita em 1953 por um sujeito que nasceu em 1908, mas mesmo assim o preconceito é excessivo. Numa passagem, logo após saber que terá de trabalhar com um mulher, Bond chega a declarar:
"As mulheres eram para recreação. Em um trabalho, elas atrapalhavam e embaçavam as coisas com sexo e sentimentos feridos e toda a bagagem emocional que carregavam.”
O grande espião da literatura de espionagem também se comporta o tempo todo como um tarado. A partir do momento em que conhece Vesper, passa a pensar apenas em maneiras de seduzi-la e levá-la para a cama.
Adiante no livro, num momento em que precisa atuar para ajudar Vesper numa situação de emergência (sem spoilers), Bond se sai com esta:
"Era exatamente isso que ele temia. Essas mulheres tagarelas achavam que podiam fazer o trabalho de um homem. Por que diabos elas não podiam ficar em casa, cuidando de suas panelas e frigideiras, ocupadas com seus vestidos e fofocas, e deixavam o trabalho dos homens para os homens?"
Como eu li o livro em sua versão original, a tradução desses dois trechos é minha. Não posso garantir que tenha permanecido exatamente assim na versão em português mas, mesmo que tenha sido atenuado, ainda assim é um absurdo.
Para continuar lendo a resenha, acesse o Spy Books Brasil, o meu blog sobre literatura de espionagem. Lá, além da resenha completa, você vai ler a crítica do filme Casino Royale, muito melhor do que o livro, um perfil de Ian Fleming e a história do verdadeiro James Bond – sim, ele existiu! Acesse: spybooksbrasil.wordpress.com.
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