Ricardo Santos 09/01/2016Afrofuturismo e identidadeA americana Nnedi Okorafor disse, certa vez, que, como não havia ficção para ela ler sobre a África no futuro, particularmente, a Nigéria, terra dos seus pais, ela resolveu escrever suas próprias histórias. Binti é um excelente exemplo desse projeto.
Uma novela tão empolgante, pelo seu texto sedutor e ideias potentes, que você consegue terminá-la de um só fôlego.
Binti é uma garota muito curiosa, matemática brilhante e filha de um fabricante de astrolábios. Ela faz parte do povo Himba. Um povo que dá valor ao conhecimento, mas muito fechado em si, bastante apegado às tradições. Quando Binti decide viajar para outro planeta, onde se encontra a universidade mais prestigiosa da galáxia, gera-se uma crise familiar. Nunca ninguém do seu povo tinha deixado o planeta natal.
Binti então fica dividida entre o amor e respeito por seu povo e cultura, e o fascínio pela nova vida como estudante de matemática de elite.
Na nave que a leva, ela é a única pessoa do povo Himba a bordo, com sua pele escura, cabelo enrolado num coque afro e com otjize espalhada pelo rosto e tranças, uma espécie de argila vermelho-alaranjada, símbolo fundamental em sua cultura.
Binti se sente novamente dividia com o acolhimento de um grupo de estudantes, futuros colegas de universidade, (depois de um estranhamento inicial) e a curiosidade espantada e racista de tripulantes e passageiros, gente Koush, um povo humano dominante.
A novela se encaminha para uma história de formação, cheia de atitude, mas convencional, quando, numa reviravolta sanguinolenta, a viagem especial se torna cenário de uma eletrizante história de terror, com a chegada do povo alien Medusa, inimigos mortais dos Koush.
Podemos dizer que, a partir daí, a novela começa para valer. De fato, esta é uma história de formação, mas cheia de surpresas fora do comum, tanto para Binti como para o leitor.
Binti é uma mulher negra, matemática, construtora de astrolábios, muito decidida, mas também frágil na incerteza do que o futuro lhe reserva longe de casa, na universidade, e em seu contato com o povo Medusa. Contato que fica mais complexo e tenso à medida que o tempo vai passando na nave, que pode custar sua vida.
A força da prosa da autora está em elaborar um texto simples, fluido, muito gostoso de ler, que levanta ideias pouco convencionais sobre os papeis da mulher, sede de conhecimento, poder do estado, tradição, modernidade e negritude. É uma história principalmente sobre a identidade que escolhemos para nós mesmos, a partir de nossa cultura e da relação com culturas diferentes.
É um texto ora brutal, ora cheio de amor. Okorafor subverte as convenções da ficção científica para tornar o gênero mais vibrante.