jota 05/11/2019Peter Pan e Sgt. Pepper se encontram em NeverlandPeter Hook (atenção para o nome), o delirante escritor inglês imaginado por Rodrigo Fresán conta para Keiko Kai (ator que interpreta Jim Yang, personagem criado por Hook; Yang é um garoto que viaja no tempo e suas histórias venderam milhões de exemplares mundo afora) e aqui seguimos a editora, “(...) a história de seus pais roqueiros, sua infância lisérgica, sua fatídica relação com a maior criação de Barrie [J. M. Barrie (1860-1937), autor de Peter Pan] sua devoção pela maior criação dos Beatles, a canção “A Day in the Life” (...)” e muito mais.
Temos em Jardins de Kensington o encontro psicodélico (para usar um termo muito em voga no tempo dos Beatles) entre duas épocas distintas, separadas por cem anos de história (e histórias), os tempos em que James Matthew Barrie viveu (época vitoriana em grande parte; com muitas citações a Charles Dickens e outros autores) e a revolucionária década de 1960, lembrada aqui sobretudo através do famoso quarteto de Liverpool. Tudo, ou a maior parte do tempo, se passando nos majestosos jardins londrinos de Kensington.
Como o próprio Fresán alerta nas notas finais, seu livro não tem a rigorosa intenção de ser uma biografia do autor de Peter Pan e menos ainda um preciso mapa de Kensington Gardens e seus arredores. Nesta biografia romanceada de J. M. Barrie o autor argentino tomou certas liberdades que facilitassem sua narrativa e também para que ela fluísse agradavelmente para o leitor. O que nem sempre ocorre: o primeiro capítulo é, ou parece ser, um tanto confuso ou delirante e um outro, lá pela metade do livro, com mais de cem páginas, parece nunca terminar e faz menção a muita gente nem sempre conhecida de todos.
Mas a maior parte do tempo as histórias contadas por Fresán são extremamente cativantes e então mergulhamos no texto com muito prazer. Mas temos de estar preparados para uma enxurrada de citações a atores, cantores, grupos musicais, escritores, políticos, personalidades etc, alguns deles presentes na capa do célebre disco gravado pelos Beatles em 1967, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, que contém, entre outros sucessos, a fabulosa “A Day in the Life”, a canção preferida do imaginário Peter Hook. Isso – a profusão de citações - ocorre em todos os capítulos. E nem todos os citados existiram de fato...
A história de Peter Pan, o menino que não queria crescer, todo mundo conhece, mas tem também a história dos meninos e dos adultos que não queriam morrer (alguns, sim), ou seja, a história por trás da história do inesquecível personagem que alguns imaginam ter sido criado por Walt Disney mas não. Ela pode ser encontrada aqui, contada de modo um tanto, digamos assim, e vamos usar novamente aquele termo, psicodélico. Tudo começa com um suicídio e muitas mortes virão depois nessas quinhentas páginas. Mas também virão muitas páginas saborosas (nem todas, também há trechos bastante tristes) povoadas principalmente pelos cinco belos filhos do belo casal Sylvia e Arthur Llewelyn Davies: os meninos serviram para Barrie como modelos para a criação do personagem Peter Pan e suas aventuras na Terra do Nunca e nos magníficos Jardins de Kensington.
Lido entre 23/09 e 04/10/2019. Minha avaliação: 4,7.