Ben Oliveira 01/10/2016
Jornada em busca de si mesmo
Trilhas de Silêncio é o título do romance escrito por Evelyn Postali, publicado em 2016, disponível no Clube de Autores e na Amazon. A autora narra uma história sobre um jovem chamado Israel Morelli, que está à procura de mais informações sobre o seu falecido pai e acaba viajando para Lagoa Bela, uma região rural e distante de Porto Alegre, lugar em que sua família morara anos antes dele nascer.
Os capítulos do romance são narrados em primeira pessoa e em terceira pessoa. Do ponto de vista do protagonista, o leitor viaja pelas aventuras de um rapaz curioso. Sabe quando dizem que o silêncio é uma resposta? Para Israel não é o suficiente. Ele perdeu o pai, Dário Morelli, quando era criança e sente uma necessidade de reviver mais lembranças dele e recuperar as peças, como se ao trilhar aquela jornada, ele fosse reconstruir algo que faltava.
Desenterrando o passado, Israel acaba conhecendo o seu tio, um homem chamado Vicente Morelli. O estudante de jornalismo tenta se aproximar cada vez mais do trabalhador do campo. Suas histórias estão unidas e ao mesmo tempo parecem ser tão diferentes – e o leitor descobre que talvez não sejam tão incomuns. Deste encontro de mundos, a autora nos guia por caminhos, por vezes nos fornecendo algumas memórias e flashbacks, possibilitando ao leitor junto com Israel fazer suas próprias descobertas e entender mais as motivações e as personalidades dos personagens da trama.
“Histórias comuns não existem porque nenhuma, de verdade, pode ser assim considerada. Contar uma história não é senão contar um pedaço de nós, já que as palavras vão vivificando os fatos, em especial se nós fizemos parte total ou parcialmente deles”
O romance está dividido em seis partes, nas quais vemos os personagens principais mergulhando em seus passados e amadurecendo seus sentimentos. Trilhas de Silêncio explora bem o psicológico dos personagens e suas relações com o ambiente, com as pessoas e suas histórias de vida. A questão do silêncio que vem no título do romance é trabalhada de inúmeras maneiras ao longo da narrativa, às vezes de forma literal, outras vezes nas entrelinhas.
Apaixonado por fotografia e por contar histórias, o protagonista acaba vendendo seus artigos em suas idas para Lagoa Bela. Quanto mais ele conhece as pessoas da região, mais tem dificuldades em entender por que os pais foram embora dali e por que perderam contato com Vicente. Embora Israel acabe se aproximando cada vez mais de Vicente, o homem e sua mãe continuam com receio de tocar no passado. A teimosia de Israel nem sempre o ajuda com os resultados que precisa, mas acaba movimentando a trama e ao mesmo tempo nos lembrando que nem tudo está sob nosso controle, independente do quanto queremos evitar.
“O céu estrelado enchia meus olhos. Vi a silhueta escura dos morros e da vegetação próxima da casa. A beleza do lugar me conquistava aos poucos e me questionava o que meu pai buscara longe dali. Tudo bem que a paixão estivesse tomando conta, mas sabia que depois da morte da mãe nunca mais retornara. Morrera longe daquele lugar. Longe do único irmão”.
Ao passar cada vez mais tempo em Lagoa Bela, os amigos e a família ficam preocupados com Israel. O rapaz está determinado a fazer o que é preciso para reunir mais informações sobre o seu pai, antes de voltar para Porto Alegre. O ritmo do campo, os trabalhos braçais, o silêncio, o contato com a natureza e uma inesperada amizade fazem com que o jovem se sinta cada vez mais conectado com a casa que pertencera a sua avó, nos levando a revelações e reviravoltas inquietantes e nos fazendo compreender mais sobre a teia que une os personagens.
A autora nos proporciona um verdadeiro passeio. Tal qual Israel que viaja em busca de si mesmo, é difícil não encontrar paralelos com nossas próprias histórias e não desejarmos nos perder nas páginas da história, só para nos encontrarmos – uma das magias da literatura. Evelyn retrata com sensibilidade a questão da autodescoberta e autoaceitação, mostrando que dos preconceitos dificilmente podem vir coisas positivas. Os cenários bucólicos, os estados emocionais e a maneira que as histórias dos personagens estão entrelaçadas, tudo é relatado de forma tão verossímil, que Israel, Vicente e os demais personagens parecem pessoas vivas, não criaturas de papeis, e não é tão difícil se imaginar percorrendo aquelas trilhas de silêncio.
“... entendia, contudo, que o complemento de sua alma cansada estava longe ainda de existir, e se existisse, longe de acontecer. Não havia em Lagoa Bela alguém capaz de fazê-lo completo, de desenterrar de dentro dele o sentimento que outro sentira”.
Evelyn Postali escreveu uma história marcada por dramas e delicadezas. Somos guiados por nossas ações ou pelos nossos destinos? Em Trilhas de Silêncio, percebemos a força das linhas, do sangue e das emoções. Me senti na pele de Israel, de Vicente e senti aquela deliciosa catarse após concluir a leitura – como quando nos sentimos transformados ao chegar em casa, após voltar de uma longa viagem com a qual não só nos divertimos, como aprendemos mais do que imaginávamos e pudemos vivenciar outras experiências e realidades.
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