Cassia 27/07/2015
Se você é um leitor que gosta de grandes histórias, e não teme ser desafiado, esse livro é para você!
Imagine-se na seguinte situação:
A maldade humana levou sua infância de uma forma brutal; quando tudo parecia perdido, a vida lhe ofereceu ajuda, e você teve a chance de se reerguer e se reinventar como uma mulher. Em seguida, contra todo bom senso, abriu seu coração e se entregou sem reservas – e a pessoa a quem tão plenamente se deu o enganou, pisou em seus sentimentos e quase o destruiu; mais uma vez, você apanhou os seus cacos e se esforçou para se reerguer. Quando ainda estava atordoado, buscando um rumo para se orientar, a guerra – que até então estava longe de você – irrompe em seu país, destroi a vida como você a conhecia, matando e destruindo tudo aquilo que lhe apoiava. Você está com medo, perdido, destruído, sem esperanças.
Alguém poderia lhe criticar se, após tanto sofrimento, você apenas desistisse de lutar e se entregasse? Se a vida se mostrasse tão dura e tão pesada para ser vivida? Dificilmente, né?
Pois foi por situações horríveis como essa que Kazue Shiromiya, o personagem principal da trama, passou no primeiro livro desta série, Kinshi na Karada. E neste segundo e último volume, Jiyuu na Karada, contra todas as probabilidades, Shiro, mais uma vez, não só decidiu não se deixar abater pela adversidade, como ainda se reinventou, dessa vez como um valoroso trabalhador rural – levando junto consigo a pequena Miya, uma criança órfã a quem ele resgatou de uma situação horrível, e a adotou, tornando-a sua filha e amando-a de todo coração. E, entre outras situações que se apresentam para ele, está uma que é primordial: poderá ele abrir seu coração novamente para alguém que o feriu profundamente e que agora se diz mudado, ou o afastará de vez, matando qualquer possibilidade de sentimentos românticos em seu coração?
Jiyuu na Karada é um livro infernalmente atípico. Pela pequena parte que resumi acima, tinha tudo para ser uma história piegas e com uma abordagem sentimentaloide, certo? Mas digo uma coisa com toda franqueza: você pode acusar essa obra de qualquer coisa, menos de ser piegas ou sentimentaloide. Muito pelo contrário. Dando um giro de 180 graus, a narrativa foge do estilo mais fluido, rápido e sentimental do primeiro volume e assume uma tonalidade mais lenta, pesada e difícil – que condiz perfeitamente com o momento que os personagens e o mundo em que estão inseridos estão vivendo: o país está lentamente tentando se reerguer dos escombros materiais e morais e se reconstruir, assim como os personagens principais, que também estão tentando juntar seus próprios cacos e, tal qual a fênix, renascerem das cinzas. O que não será fácil, pois eles não são mais os mesmos que eram, para o melhor ou para o pior.
Mais uma vez, a autora desenvolve um enredo forte, onde se recusa a dourar a pílula ou facilitar para seu leitor. Seus personagens agora estão mais velhos, mais maduros, e tendo que arcar com as consequências de seus atos; velhas feridas do passado se recusam a fechar e continuam doendo. Personalidades foram transformadas - algumas para pior. Problemas se avolumam, fantasmas do passado retornam para assombrar, perdas terríveis acontecem.
Isso não quer dizer que Jiyuu seja uma obra pessimista ou cruel, nada disso. Podemos, isso sim, comparar a história com uma matrioska (aquela boneca russa que tem muitas outras menores dentro de si): uma narrativa múltipla, repleta das mais diversas camadas e muito intensa, onde a cada capítulo que avançamos, novos elementos surgem, novos desafios se oferecem, numa trama cativante, precisa e muito bem amarrada.
Jiyuu na Karada é a conclusão em grande estilo de uma história maravilhosa. É impossível lê-lo e não se sentir profundamente afetado pela sua grandeza e grandiloquência. A emoção é a grande tônica, e em muitos momentos é necessário interromper a leitura para que possamos lidar com os imensos sentimentos que a autora nos desperta.
Numa análise mais superficial, seria muito fácil cair no erro de classificar Jiyuu (e seu predecessor, Kinshi) como uma história de guerra ou de amor. Lógico, esses elementos estão lá, lindamente dispostos. Porém, acredito que, acima de tudo, esta é, acima de tudo, uma celebração ao Ser Humano. Uma narrativa que mostra de forma realista, dura e absurdamente honesta que, para nossa tristeza, o mal, a dor e outras coisas ruins existem sim, e são coisas que não podem e nem devem ser negadas – mas que as pessoas têm em si as ferramentas para superarem as adversidades e se superarem, e se tornarem maiores e melhores. Que o mesmo ser humano que pode ser cruel e destrutivo tem em si o potencial para transformar o mundo através do amor (não apenas no sentido romântico, mas em seu sentido maior), e que a coragem, o heroísmo e o bem podem se apresentar sob as mais diversas formas e circunstâncias.
Se você é um leitor que gosta de grandes histórias e não tem medo de ser desafiado, Jiyuu na Karada é uma pedida perfeita para você, que, acredito, o lerá sedento e ansioso, recusando-se a deixá-lo enquanto não vir o último ponto final chegar.