Sario Ferreira 28/06/2021Um grande tratado narrativo sobre o Japão, os Samurais e o Bushido!Este volume 1 traz o início da história do lendário samurai Musashi e de personagens que fizeram parte de seu caminho de alguma forma (alguns históricos, outros fictícios). Achei a escrita menos rebuscada do que eu esperava encontrar em uma tradução brasileira e a leitura foi prazerosa; Leiko Gotoda está de parabéns por esta versão brasileira. Contudo o ritmo da história segue uma estética narrativa japonesa e se você não souber se desvincular das expectativas criadas em comparação com o ritmo acelerado das histórias ocidentais, vai aproveitar pouco da obra.
É um livro de muita sensibilidade, para se ler com contemplação e sem pressa, com diversos personagens e conflitos narrativos, muitos (MUITOS MESMO) nomes e tem uma apresentação fenomenal dos costumes e da história do japão medieval, muito importante para que tenhamos imersão cultural genuína no ambiente do livro.
Quero destacar como a narrativa literária dos duelos entre samurais sob a ótica dos próprios japoneses é algo lindo de ler, principalmente para os envolvidos com as artes marciais nipônicas. Além de trazer a narrativa de ação de maneira descomplicada, em certos pontos, as sensações e metáforas usadas para construir o conflito são praticamente um poema em prosa.
Musashi é um personagem distinto, que apesar de ser virtuoso em muitos pontos, tem falhas e é até desastroso em outros. A trama o entrega para nós com desenvolvimentos bem paulatinos. Muitas vezes, quando você pensa que Musashi já se tornou o samurai invencível conhecido da cultura japonesa, ele mostra inocência, hesitação e fraqueza emocional, como em certas cenas em que sua incapacidade de encarar o amor de uma mulher parece desestabilizá-lo mais do que encarar vários inimigos diante de si. Diversos momentos, muito ricos na minha opinião, mostram um protagonista muito humano e ainda incipiente na vida, por mais que sua técnica espadachim já esteja á altura de grandes guerreiros.
Uma das cenas mais icônicas em minha leitura envolve a participação de Musashi em uma cerimônia de chá, ao encontrar pessoas estranhamente gentis com ele em uma campina, após um duelo. O guerreiro observa o rito, inédito para ele, e traz reflexões interessantes, comparando a cerimônia tão sutil ao manejo da espada em batalha, tecendo o seguinte comentário sobre o evento: "A essência da arte... Todas as coisas assumem idênticas formas quando atingem a excelência."
Ao fim do livro, ainda que fiquem ganchos provocativos, me foi um tanto frustrante e anticlimático, não pela história em si, mas pelo corte que não fecha o arco/ideia da história do Volume I. Ainda assim, é compreensível, já que os três volumes de Musashi são na verdade episódios de folhetim que eram publicados periódica mente pelo autor em um jornal japonês de sua época; logo, a configuração dos volumes brasileiros não foi feita para ter desfecho na transição de volumes, como outros romances assim escritos.
Se você gosta de cultura japonesa, de artes marciais e consegue cumprir o contrato de uma leitura sem pressa, despretensiosa como um passeio, você vai amar a primeira parte da saga de Musashi.
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