emmanuel_arankar 27/07/2023"Gênesis" de Bernard Beckett
"Gênesis" é um livro fascinante e provocativo escrito por Bernard Beckett, que nos leva a uma jornada através de uma sociedade distópica, onde as complexidades da humanidade e da tecnologia se entrelaçam de maneiras surpreendentes. Nesta narrativa cativante, Beckett nos convida a questionar o que realmente significa ser humano em um mundo em que máquinas desafiam as fronteiras da consciência.
A trama se desenrola em um futuro incerto, após um mundo devastado pela Peste, onde os sobreviventes se refugiaram em uma ilha isolada. Essa sociedade, conhecida como a República, é caracterizada por sua utopia aparente, onde tudo é meticulosamente planejado e controlado. A República é protegida por uma cerca marítima, e qualquer pessoa que se aproxima, seja por avião ou navio, é tratada como uma ameaça e abatida. É um mundo de isolamento e rigoroso controle.
O livro começa com Anaximandra, uma jovem de 14 anos conhecida como Anax, prestes a realizar uma entrevista crucial para sua admissão na Academia, a instituição que governa a República. Nessa entrevista, ela deve apresentar uma tese sobre um herói histórico que influenciou o curso da história. Anax escolhe o herói Adam Forde, cuja história é intrigante e complexa.
A narrativa é estruturada de forma única, pois a maior parte da história é contada através da entrevista de Anax com os examinadores da Academia. Ela apresenta detalhes sobre a vida de Adam Forde, sua ação corajosa de salvar uma garota que naufragou perto da ilha, e como isso afetou a República. À medida que a entrevista avança, somos levados a uma exploração mais profunda das complexidades da sociedade e das questões filosóficas que envolvem a história de Adam.
A sociedade da República é estratificada em quatro classes: trabalhadores, soldados, técnicos e filósofos, cada uma com suas funções e atribuições específicas. Os indivíduos são classificados com base em seus genomas, determinando a classe à qual pertencem. Essa divisão rigidamente controlada reflete a obsessão da República por ordem e conformidade.
A escolha de Anax em pesquisar a vida de Adam Forde se deve ao impacto que ele teve na República. Adam era um soldado encarregado de vigiar a cerca marítima que protege a ilha. Quando ele se depara com uma garota que naufragou nas águas proibidas, sua decisão de salvar a vida dela, em vez de obedecer à ordem de atirar, desencadeia uma série de eventos que alteram o curso da história.
Um aspecto fundamental da história é a relação entre Adam e Art, um androide criado pela República. Adam é condenado à convivência com Art como punição por seu ato de desobediência. A relação entre Adam e Art é fascinante, pois levanta questões profundas sobre o que separa os humanos das máquinas. Art demonstra consciência, emoções e uma vontade própria, desafiando a visão tradicional da IA.
Essa dicotomia entre humanidade e máquina é um dos temas centrais do livro e nos leva a refletir sobre o que realmente significa ser humano. A natureza da consciência, da alma e da inteligência são exploradas de maneira perspicaz. Através das palavras de Anax, somos instigados a considerar se a humanidade está tão estritamente ligada à biologia ou se a inteligência artificial também pode ser considerada consciente e, portanto, "humana".
O diálogo entre Adam e Art oferece argumentos convincentes sobre o que define a consciência e o pensamento. Isso nos leva a uma jornada filosófica que nos desafia a repensar nossas premissas sobre o que nos torna únicos como seres conscientes.
Além dessas questões filosóficas, "Gênesis" também faz referências a pensadores clássicos, como Platão, cuja influência é claramente evidente na formação da República. A obra incorpora elementos da filosofia platônica, como a teoria das ideias, que desempenham um papel significativo na construção do mundo ficcional da história.
A narrativa inovadora de Beckett, que mistura o presente de Anax com o passado de Adam, mantém os leitores envolvidos à medida que desvendamos os segredos dessa sociedade distópica e de seus personagens complexos. O final é surpreendente e arrebatador, lançando uma nova perspectiva sobre toda a história.
Ao longo da narrativa, "Gênesis" nos lembra que nossas definições de humanidade, consciência e tecnologia estão em constante evolução. Em um mundo cada vez mais permeado pela inteligência artificial e pela automação, as questões levantadas por este livro são mais relevantes do que nunca.
Para concluir, "Gênesis" é uma obra de ficção distópica excepcional que desafia nossa compreensão do que significa ser humano. Bernard Beckett criou um cenário intrigante onde máquinas questionam os limites da consciência, e sua protagonista, Anax, nos guia em uma exploração filosófica profunda sobre a natureza da humanidade. Esta narrativa única e envolvente nos instiga a reconsiderar nossas próprias concepções sobre a tecnologia, a consciência e, por fim, a essência da humanidade em um mundo em constante transformação. "Gênesis" é um livro que nos deixa com perguntas que ecoam muito tempo após a leitura.