Julia G 29/08/2012Gênesis - Bernard BeckettResenha publicada originalmente no blog http://conjuntodaobra.blogspot.com
"Vocês, humanos, orgulham-se de ter criado o mundo das Ideias, mas nada pode estar mais distante da verdade. A Ideia penetra na mente vinda de fora. Ela muda a mobília de posição para se acomodar com mais conforto. Encontra outras Ideias que ali já residem e trava lutas ou forma alianças. [...] E, então, sempre que surge uma oportunidade, a Ideia envia suas tropas de choque em busca de outras mentes para infectar.[...]" (pág. 111)
Em um futuro não determinado, vivendo em uma sociedade evoluída e de total paz, Anaximandra se prepara para realizar o exame que poderá mudar sua vida: entrar ou não na Academia, sonho de todos os que vivem em sua época. Como tema de estudo a apresentar para os examinadores, ela escolheu abordar a vida de Adam.
Adam nasceu em 2058, época da República de Platão, que havia sido fundada em uma ilha isolada do restante do mundo com o objetivo de proteger os homens da Guerra e das doenças. Na República, a sociedade era estratificada de acordo com as capacidades das pessoas, e as regras eram claras: tudo que viesse do exterior da ilha deveria ser destruído.
Adam não fazia idéia das conseqüências que um ato seu teria para a história. Uma noite, fazendo a guarda do lado sul da ilha, Adam avista um barco com uma pequena garota e, contrário a tudo o que lhe foi ensinado durante toda a vida, poupa a vida dela, escondendo-a em uma caverna. Só que os governantes da República querem manter a todo o custo a frágil estabilidade que instituíram, e o feito de Adam não estava em seus planos.
Gênesis, de Bernard Beckett, foi, para mim, uma verdadeira frustração. É contraditório afirmar isso, pois o livro foi surpreendente, ousado e inesperado, mas eu quis tanto mais dele que me senti decepcionada. O livro é bom, não me entendam mal; mas minhas expectativas eram outras, e a história me levou por caminhos tão arrebatadores que me sinto até culpada de não ter gostado. Já sentiram isso?
A narrativa de Beckett, nesta obra, se dá de maneira singular. Quase como uma peça de teatro, o autor intercala cenas que todos os presentes vêem, como uma narração, momentos de fala, citando antes do dito o nome da pessoa que o diz, e também pensamentos de Anaximandra, que muda todo o foco. Essa mistura foi não usual, diferente e nada complicada. As informações foram dadas aos poucos, o que, junto à escrita fantástica do autor, nos deixam hipnotizados pela história. No início, não sabemos nem ao menos o que seria a Academia, Adam ou a República, vamos descobrindo conforme a personagem apresenta os dados coletados aos examinadores.
O ponto alto da história, definitivamente foi a filosofia subentendida em cada fala de Adam, que buscava explicar principalmente a pergunta estampada na capa do livro: O que realmente significa ser humano? Diferente do que imaginei que seria, não se torna cansativo ou maçante: é profundo, mexe com nossas mais arraigadas concepções. Várias citações lindas ou inteligentes podem ser anotadas das menos de 160 páginas do livro, e isso me encantou.
Mas como eu citei, nem tudo me agradou. Achei que o autor iria passar mais da vida de Adam, da relação entre ele e a garota que salvou, das consequências que ISSO traria à história. Escrevi "isso", em caixa alta, exatamente porque é aí que não vemos as consequências, já que o caminho traçado a partir dessa ruptura é totalmente outro. É esse ato que muda a história, mas eu fiquei esperando por mais informações que não vieram. Queria saber mais sobre a vida fora da ilha, como aconteceu a citada grande guerra, o que aconteceu à garota salva por Adam, entre várias outras coisas que, obviamente para quem leu o livro, ficaram abertas.
Espero que esta resenha não tenha ficado extremamente confusa, mas não queria soltar algum spoiler e estragar a surpresa que pode ser o que fará o livro bom para quem ler.