Resenhas - O Amor das Sombras

Camila Faria 21/03/2016

Doze contos que exploram temas como traição, repressão, segredos e violência. Eu nunca tinha lido nada do autor cearence, radicado em Recife, mais conhecido pelo seu livro Faca (publicado em 2003), e achei a escrita fluida e bastante visual. Existe uma unidade nas doze histórias, que é a sombra, ou seja, o que não está aparente, o que está mais fundo. Talvez por isso mesmo todos os contos têm um aspecto vagamente sombrio. Algumas histórias me marcaram mais do que outras ~ como é comum acontecer em se tratando de um livro de contos.

site: http://naomemandeflores.com/os-quatro-ultimos-livros-6/

Dimas Lins 20/09/2021

O sertão, aqui, é outro.
Já ouvira falar no escritor Ronaldo Correia de Brito há algum tempo, mas só tomei conhecimento da sua literatura depois que li Galiléia, seu romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, em 2008. Associei imediatamente a história do livro à música Torpor do também cearense Ednardo, que tem um trecho que diz assim:

Figuras esquecidas e antigas
Perambulam pelo quarto
Entre saudades e mistérios de amor

De lá pra cá, li Retratos Imorais e, agora, O Amor das Sombras. A escrita de Ronaldo é forte, poderosíssima, eu diria, que traz um sertão bem diferente daquele narrado por Graciliano Ramos ou Glauber Rocha. O sertão traz tons verdes, mas de ruínas, não só de paisagens, mas também dos personagens.

O Amor das Sombras não é uma leitura fácil. Não porque não seja bem escrita, ao contrário. O livro de contos é de uma literatura exuberante e poderosa. Mas é preciso internalizar cada conto. Até mesmo se permitir um tempo de reflexão. No livro, estão contidas doze histórias: noite, bilhar, força, magarefe, mellah, atlântico, helicópteros, perfeição, sombras, véu, amor e lua. Todos contém títulos únicos. Não há finais felizes. O título sombrio não é à toa. O escritor fala sobre frustrações, dores, silêncios, um sertão duro, pertencimento e espera. São sombras que há em nós. Dois contos me chamaram ainda mais a atenção.

O primeiro, Bilhar, que tem uma família em conflito por causa da religião, onde a mulher quer converter o marido, enquanto ele frequenta motéis e até dá um surra em um padre. No meio de tudo, um filho que tem o sonho quase silencioso de ser escritor e vê no professor um apoio para conquistar esse sonho, mas que, a partir da leitura do soneto Amor Constante Mas Allá de la Muertede, de Quevedo, revela seu gosto mórbido e o desencanto com a vida. Li e reli o conto algumas vezes, até conseguir avançar. Talvez esse seja o melhor texto de Ronaldo Correia de Brito.

O segundo, é Lua que, segundo a Tribuna do Paraná, "relata a odisseia de seu frustrado reencontro com o mundo mítico da infância para montar a trilha da versão cinematográfica de Lua Cambará – a história de uma Lilith negra, filha bastarda de um coronel com uma escrava, que cresce como a própria encarnação do demônio, torturando seus pares". Minha proximidade com esse conto se deu em outro nível. Fazia um dos inúmeros cursos de roteiro da minha vida, quando a professora passou um exercício de escrever um roteiro sobre esse conto. A escrita era livre, era possível modificar quase tudo, o tempo, o lugar, a história, exceto à essência dos personagens. Foi aí que escrevi o roteiro homônimo para um curta-metragem, quando voltei a entrar em contato com o escritor. Minha intenção era pedir sua autorização para transformar um recorte do conto em um filme de 20 minutos. Mandei mensagens, nos falamos por telefone e, por fim, nos encontramos pessoalmente. Já havíamos nos encontramos muitos anos antes, quando eu, atrevido, pedi para que lesse alguns de meus sofridos escritos. Sentamos, tomamos um café e Ronaldo, educadamente leu alguns na minha frente.

Grande fã, acredito Ronaldo criou em O Amor das Sombras uma das mais importantes obras da nossa literatura atual.