Cesinha 20/03/2017
"Para Heidegger, o homem é um ser encurralado entre dois polos obscuros: o do seu nascimento e o de sua morte. Ele é por isso essencialmente temporal. Ele é uma criatura angustiada e insignificante que se relaciona de forma inquietante com o meio ambiente, carinhosa com seus semelhante na forma de cuidado, e que embora em geral viva perdido na forma de homem inautêntico, é alertado pela consciência mral a aceitar sua culpabilidade, admitindo-se como ser para a mort e para tal devendo apropriar-se repetitivamente do passado. Por isso a temporalidade é o horizonte do ser do homem, seu núcleo mais íntimo".
1. O Ser-Aí (Dasein)
Há uma distinção fundamental em Heidegger é a que existe entre a:
a) existência autêntica
b) existência inautêntica
Veremos a seguir os EXISTENCIAIS. Os caracteres gerais da existência inautêntica na qual em certa medida todos nós, como seres sociais, temos de viver.
Ele começa com a análise da existência inautêntica que é a do SE (man), na qual sempre em alguma medida vivemos.
Ele quer explicitar a situação apriorística do existente humano cotidiano - o seu ESTAR NO MUNDO.
Para Heidegger o homem MORA IMEDIATAMENTE DENTRO DO MUNDO - por isso não há para ele a questão da relação do SUJEITO versus MUNDO EXTERNO, como para Husserl e para outros filósofos modernos.
Este é um pseudoproblema resultante de se pensar que o CONHECIMENTO seja uma categoria fundamental, o que só seria verdade se o homem fosse um ser contemplativo. Mas ele não é. Para o ser humano o fundamental é o FAZER e o CONHECER. SOMOS ABERTURA PARA O MUNDO NO FAZER. O homem vê o mundo como um CONJUNTO DE UTENSÍLIOS, DE COISAS A SEREM USADAS, QUE ESTÃO À MÃO E SEREM MANIPULADAS.
Osutensílios são PARA O HOMEM, que só descobre a estranheza do mundo quando FALTA O UTENSÍLIO.
Mas quando paramos e nos demoramos no mundo, nos descobrimos como algo que é PURAMENTE PRESENTE:
Mas isso conduz a um engano:
Esse sentimento da presença nos faz ver incorretamente o próprio mundo como presença, ou seja, como UM CONJUNTO INTERCONECTADO DE COISAS, quando na verdade o mundo circundante continua para sempre OCULTO SEM SUA UNIVERSALIDADE PRÓPRIA.
É dessa ilusão de que podemos conhecer a conexão última entre as coisas que surge a tradicional METAFÍSICA DA PRESENÇA, que Heidegger se empenhará.
Uma característica do O SER DO HOMEM, O ESTAR AÍ (da-sein) é INERENTEMENTE SOCIAL.
Ao Estar-Aí pertence inevitavelmente o ESTAR COM.
O SER é um SER PARA O HOMEM e O HOMEM um SER PARA OS OUTROS HOMENS:
EM suma, O SER-DO-HOMEM é um ESTAR-AÍ-COM-OS-OUTROS.
Aqui a categoria mais fundamental é a do CUIDADO.
Objetos de cuidado são não só os UTENSÍLIOS como também os OUTROS SERES HUMANOS. Que são objetos do que ele chama de SOLICITUDE, e a modalidade pela qual vemos essas coisas chama-se CONSIDERAÇÃO.
No entanto, muito mais do que um EU, o sujeito é um SE - o EU INAUTÊNTICO integrado às demandas do social, do "assim se diz, assim se faz".
O EU INAUTÊNTICO é aquele que mantêm DISTÂNCIA face aos outros, que SUPRIME EXCEÇÕES, que NIVELA todas as possibilidades, que OBSCURECE o acesso original às coisas, que ESQUIVA-SE de decisões, que EXONERA-SE de UMA MAIOR RESPONSABILIDADE HUMANA.
Contudo, se considerarmos o ser humano em sua existência, ele abandona seu status de SER-AÍ (Dasein) e como ser-aí que está jogado no mundo e que é inevitavelmente ABERTO PARA O SER.
Como um ESTAR NO MUNDO ele possui LUZ NATURAL, que faz dele uma clereira para o mundo, posto que a sua CONSCIÊNCIA faz com que o mundo seja capaz de abrir-se à sua compreensão, desde sempre possuidora de disposição de ser.
A disposição para ser inerente ao ser-aí se lhe revela como uma desagradável INQUIETAÇÃO, uma RESPONSABILIDADE PARA CONSIGO MESMO, dada pelo fato de que ele não sabe de onde vem nem para onde vai nem para que existe.
Essa condição é chamada por Heidegger de ESTAR JOGADO NO MUNDO.
Essa experiência é muitas vezes chamada de FASTIO (a Náusea de Sartre).
Possuímos essa disposição, essa abertura para a consciência, mas como o homem tem sempre a vontade de DOMINAR e a disposição para AGIR no mundo, ele A FECHA. O homem quer fugir dessa disposição, apesar de o mundo lhe ser sempre em princípio aberto.
DISPOSIÇÃO é o estar a altura das coisas, o compreender, POSSIBILIDADE, o PODER SER. Essa simples possibilidade torna o ser humano LIVRE, por mais inautêntico que ele possa ser.
Inerente à possibilidade está o PROJETO pelo qual o homem pode "tornar-se o que é".
Mas para Heidegger, querer compreender algo é já possuir uma compreensão pré-temática desse algo. Por isso toda a compreensão possui uma ESTRUTURA CIRCULAR.
Por isso a questão do sentido do ser já pressupõe uma compreensão pré-temática do ser; o que ele faz em Ser e Tempo é explicitar essa compreensão pré-temática em uma análise existencial.
Também a LINGUAGEM tem uma origem na abertura para o ser: por ela o ser humano se demonstra como um ser que COMPREENDE e se torna assim DISPONÍVEL PARA O MUNDO.
Mas na existência anônima e banal do SE a linguagem facilmente se degenera em PALAVRÓRIO ("as coisas são assim porque assim se diz"), devora-se na CURIOSIDADE sem direção, e se desvanece na neblica do EQUÍVOCO.
No FALAR SEM FUNDAMENTO perdemos a relação autêntica com aquilo de que falamos e perdemos a capacidade de distinguir a existência autêntica.
2. O Ser para Morte
Mas como se dá a existência autêntica?
Através da EXPERIÊNCIA DA ANGÚSTIA (Angst).
A ANGÚSTIA é o MEDO INDETERMINADO. O medo tem um objeto, a angústia não. O ser-aí se angustia por ver-se só diante do mundo.
Só a angústia é capaz de retirar o homem da queda, de refazê-lo para além de sua dissolução no SOCIAL. Pois o FAMILIAR-SOCIAL é uma EVASÃO INAUTÊNTICA da angústia, uma evasão pela qual nós nos eximimos de nos aceitarmos em nossa inteireza.
O poder potencialmente despertador da angústia já foi tematizado em "A Mrte de Ivan Lyich": Ivan é uma pessoa com pequenas preocupações e egoísmos cotidianos, até que se descobre vítima de uma doença incurável que logo o levará a morte. Nesse novo contexto as pequenas questões cotidianas perdem valor e ele descobre sentimentos essenciais. Morre cuidado por um servo. Outro exemplo é o Dom Quixote, que pouco antes de sua morte recupera a lucidez. Há também Contraponto, de Huxley, que havia perdido a criatividade, repetindo-se, mas a recupera ao saber que tem pouco tempo de vida.
A ANGÚSTIA leva-nos ao seu objeto último, que é a MORTE.
Para Heidegger a morte é UM LIMITE QUE PERPASSA O SER HUMANO, DEFININDO-OE REDEFININDO-O CONSTANTEMENTE. O homem ciente dela e se preocupa permanentemente com ela, conscientemente ou não.
Por isso Heidegger pensa o ser humano como um SER PARA A MORTE.
A morte é indelegável, sem relações, irrepetível, de um lado é certa, mas de outro é indeterminada, pois não sabemos como nem quando ela virá. Geralmente nos relacionamentos de maneira INAUTÊNTICA com a morte, concebendo-a como se ela só existisse para os outros.
O existente autêntico, porém, não irá afastar a morte como pertendendo a um futuro remoto, visto que ela pode acontecer a qualquer momento. Ele irá SUPORTÁ-LA COMO POSSIBILIDADE REAL.
E esse suportar consiste no que Heidegger chama de "corrida premeditada para a morte" que consiste em não descansar sobre a nulidade do cotidiano, nem sobre as vitórias passadas, mas em abrir os olhos para a grandeza de outras existências.
Nesse existir autêntico, a VOZ DA CONSCIÊNCIA produz a CULPABILIDADE EXISTENCIAL do ser humano.
Com essa expressão Heidegger aponta para o fato de que o SER-AÍ NÃO TEM FUNDAMENTO EM SEU PRÓPRIO SER.
O ser humano só se liberta de sua consciência culposa quando CORRE PARA A MORTE na existência autêntica, entrando assim em acordo com sua consciência moral. Heidegger chama isso de DECISÃO: aqui o ideal da existência se encontra no "angustiante lançamento sobre o mais peculiar do ser culpado".
Não é dificil ver que há um certo fundamento na corrida para a morte e na análise heideggeriana da consciência culposa como Incompletude do ser-aí. Possuímos uma potencialidade de transcendência do eu individual na consciência da comunidade humana quando a consciência do limite último de nossa existência na morte nos força à abdicar da existência coletiva no se (man).
É para ser lembrado que Heidegger rompe com a tradição em dois pontos essenciais:
1) Para ele não existe o problema da realidade do mundo externo: ESTAMOS DESDE O INÍCIO NO MUNDO. Trata-se de uma UNIDADE ORIGINÁRIA que rompemos ao construir um SUJEITO ABSTRATO, cartesiano, que depois tenta em vão colar-se ao mundo exterior.
Já para Husserl, como para quase todos os outros epistemólogos modernos esse é um problema fundamental não tão facilmente disponível: como, afinal, a mente conhece aquilo que lhe é essencialmente heetrogêneo, o mundo externo?
OBJEÇÃO:
O problema é que dizer que estamos desde o início no mundo é coisa já sabida que não dissolve o problema.
E mesmo que o sujeito subjetivo seja construído persiste a questão de se saber como ele tem acesso cognitivoo à realidade.
Além disso, se Heidegger tivesse certo, então os filósofos gregos já o teriam antecipado há dois milênios, pois eles simplesmente não tinam o problema epistemológico da percepção de um mundo externo.
Esse problema surgiu dos argumentos da ilusão postos pelos filósofos céticos e pelo argumento da ciência: por que surgiria esse problema senão pela tomada de consciência de complexidade antes desapercebedida?
2) O problema da VERDADE ele analisa pelo problema da ABERTURA: o conhecimento depende de descobrirmos em nós mesmo o que é compreensível no mundo.
E o critério da verdade é a LEGITIMAÇÃO que fazemos de nós mesmos, quando percebemos que o SER se REVELA ao nosso juízo.
Para Heidegger a verdade é ÔNTICA, ela é ibjectual: ela está na ILUMINAÇÃO DO EXISTENTE HUMANO, do ser-aí quando ele SE ABRE PARA O SER.
E seu acesso depende da abertura que sucede à consciência do estar jogado no mundo, da queda. Mas como o homem existe mais frequentemente na existência inautêntica, ele não se encontra costumeiramente aberto á verdade.
OBJEÇÃO:
Contra isso também é possível notar que o problema da verdade praticamente não foi tematizado entre os pré-socráticos.
Platão e Aristóteles foram os primeiros a fazê-lo e o fizeram, como quase todos os filósofos clássicos, como o PROBLEMA DA CORRESPONDÊNCIA do pensamento com o fato.
Em geral dizemos que um OBJETO EXISTENTE (o ente que é) é VERDADEIRO no sentido de que dizemos dele coisas verdadeiras no sentido de que ele é autêntico remetendo asism ao juízo e ao dizer.
Claro, é necessário termos ABERTURA, LIBERDADE, para podermos ter o pensamento das coisas tal como elas realmente são, e foi isso o que Heidegger percebeu. Mas isso não refuta e sim confirma a teoria da correspondência.
3) SER E TEMPO
Qual é, afinal, a relação entre SER e TEMPO?
Ele quer esclarecer o sentido de ser como temporalidade, de modo que o conceito de morte serve para explicar a temporalidade.
Para Heidegger o tempo do existente inautêntico é também ele INAUTÊNTICO, marcado pelo hábito e pelo esquecimento.
Mas quando o homem se lança premeditadamente em direção á morte realizando-se em sua autenticidade, então ele vem ao encontro de si mesmo e vive o TEMPO AUTÊNTICO.
Há aqui uma espécie de dialética:
1. O FUTURO é, na existência autêntica, um VIR DE ENCONTRO A SI MESMO. O existir é possibilidade que se projeta no futuro. O existente humano é enquanto tal futuro.
Mas essa aceitação do futuro eleva a VOZ DA CONSCIÊNCIA , que persuade o homem a aceitar-se com sempre foi em sua nulidade, no seu "ser jogado no mundo" ...
Isso compele o ser-aí a voltar-se para o PASSADO, não como tradição, mas como algo que o faz REVIVER AS POSSIBILIDADES NELE INCORPORADAS. Ele encontra assim o seu (2) verdadeiro PASSADO.
Ou seja: na existência autêntica o ser-aí incopora as POSSIBILIDADES determinadas pelo seu passado histórico-cultural ao presente pelo seu passado histórico-cultural ao presente, de modo que elas possam ser projetadas no futuro de uma maneira totalmente coerente com aquilo que o ser-aí realmente é.
É nessa aceitação do passado orientada pela culpabilidade do ser-aí que é despertada (3) a abertura para o PRESENTE.
O presente é aqui o instante no qual o ser-aí rejeita o presente inautêntico no qual é absorvido pelo se e abraça seu destino. Mesmo que ele continue tendo de viver e trafegar no mundo coletivo do se.
Essa unidade do passado, presente e duturo é o que Heidegger chama de TEMPORALIDADE. Ela é o que há de mais distintivo no CUIDADO.
É só na existência AUTÊNTICA que a temporalidade se realiza plenamente: Em sua tridimensionalidade do passado, presente e futuro.
No existir autêntico o homem assume o seu próprio destino como o destino da própria humanidade.
Isso torna a AUTENTICIDADE e INAUTENTICIDADE MODALIDADES DA TEMPORALIDADE:
1) No existir INAUTÊNTICO, o ser humano não aceita a situação de ESTAR JOGADO, não aceita a CULPABILIDADE, relegando com isso seu passado ao ESQUECIMENTO.
A sua existência é um esperar que-se-torna-presente-e-esquece. Por isso ele se deixa levar de distração em distração, ou na busca de sucesso, do êxito, o seu próprio TEMPO sendo INAUTÊNTICO, de modo que o arco entre o futuro e o passado se contraia ao mínimo.
2) Já no existir AUTÊNTICO desabrochamos no momentâneo, buscando o tornar presente, o ESPERADO.
Estando aberto no tempo, o ser humano se torna consciente do passado e do futuro pelo que eles são...
- Por isso o tempo subjetivo é o tempo originário é QUALITATIVO E FINITO, pois que limitado pelo nascimento e pela morte.
- Já o tempo objetivo, por sua vez, é QUANTITATIVO E INFINITO.
Esse tempo para Heidegger só se produz pelo comércio com o mundo com base no próprio tempo subjetivo, que para ele tem prioridade.
A temporalidade constitui o núcleo mais íntimo do ser humano e para Heidegger a HISTÓRIA DO MUNDO, em sua OBJETIVIDADE, é construída a partir da SUBJETIVIDADE.
Mas de onde tira o ser humano na existência autêntica as POSSIBILIDADES que o fazem seguir com o ser para a morte?
Como a morte em si mesma é um MOMENTO NEGATIVO, o existente humano tira esses possibilidades de uma HERANÇA TRANSMITIDA DO PASSADO DA QUAL SE APROPRIA. Isso é, porém, muito diverso do decidir da existência inautêntica, que recorre a decisões casuais e equívocas, proporcionadas apenas pelo se, pelo CARÁTER PÚBLICO DO MUNDO.
A ESCOLHA DO HEROI é arrancada inequívoca do ser humano em sua existência autêntica para a morte.
Também na historicidade, o modo mais apropriado do ser humano é o FUTURO, e pela análise da temporalidade podemos inferir que quanto mais voltado para o futuro mais ele estatá aberto para o passado. O ser humano autêntico é por isso ALGO QUE SE REPETE.
Mas essa repetição não é um simples trazer à tona do passado, mas uma relação de RECIPROCIDADE na qual o presente provoca o passado a atuar sobre o presente a partir das profundezas da existência.
É, pois, somente na aceitação do 'estar jogado no mundo', e do seu passado é que o ser humano é capaz de produzir a sua HISTORICIDADE PRÓPRIA.