Andre Felipe 30/08/2017Uma ideia promissora, mas mal executadaO cinema costuma popularizar histórias nascidas da mídia literária sem, no entanto, repetir nas telonas a mesma qualidade das obras impressas. Mas eis aqui um exemplo que, ao meu ver, subverte esta regra: The Warriors, o livro, está muito aquém do clássico filme da década de 70 .
Lançado em 1965 por Sol Yurick, narra o que se passa na noite de 4 de julho (dia da independência norte-americana) e os acontecimentos gerados após Ismael Rivera, líder da maior gangue da cidade de Nova York, convocar uma grande assembléia de gangues de rua para o Bronx .
Praticamente todas as gangues comparecem e Ismael propõe um acordo de trégua entres os rivais para desafiar "O Homem" (sociedade, de outra forma chamada "Os Outros") e tomar a cidade. Depois de um discurso agitado, a assembléia se dissolve no caos enquanto várias gangues dissidentes começam a lutar e as coisas acabam mal.
Quando Arnold, o principal líder dos Dominadores de Coney Island (os "heróis" da história) é pego pelos membros da gangue de Ismael, cabe a Hector, o segundo no comando, liderar os restantes de volta a Coney Island, passando por bandos de gangues inimigas.
Devo dizer que a ideia gerou expectativas muito positivas em mim e três fatores impulsionaram essa sensação:
1) A sinopse do livro propõe uma mega história de ação e aventura que com certeza anima qualquer fã do gênero;
2) Eu já havia assistido ao filme de 1979 e apesar de na época tê-lo achado interessante, imaginava que a história original fosse ainda melhor;
3) A história por algum motivo me lembrou bastante "Capitães da Areia" do saudoso Jorge Amado, fato que me deixou muito ansioso pois havia adorado o livro de Jorge em vários aspectos e esperava que The Warriors fosse tão bom quanto ou mais.
No entanto, foi frustrante lembrar que criar expectativas é sempre algo perigoso.
O livro foi maçante em mais pontos do que interessante. A ação (e violência) é sugestionada em vários momentos, mas só consegue ser efetiva em algumas cenas. A aventura até se faz presente, mas de maneira bem simplória e pouco envolvente.
Até mesmo as críticas sociais presentes no texto não me agradaram como poderia, ainda que nesse ponto específico considere que o autor tenha sido mais feliz que nos outros pontos que citei (ação e aventura).
O início do livro e algumas cenas do miolo são as partes mais interessantes, mas no geral, não me convenceu. Não "comprei" a história narrada, mas comprei o livro, e nesses casos me obrigo a saber até onde aquilo vai chegar.
Acho que a trajetória dos garotos até seu território se mostrou massante em muitos momentos. Senti o texto repetitivo e monótono. A dinâmica não apresentava muitas novidades em cada metrô que adentravam.
Não me entendam mal, o trabalho de descrição e narração do autor é bom. No entanto, acredito que boa parte do texto soou desnecessário e não ornou em nada a história.
É diferente, por exemplo, de descrever um universo fantástico, com o qual não tenhamos referencial e por conseguinte se justifique a imersão proposta pelo autor através de uma descrição/narração mais acentuada. Aqui, não é este o caso. O que ele narrava soava repetitivo, mais do mesmo. E isso foi recorrente, existiam capítulos quase que inteiros com esse problema.
Em outros momentos, o autor pecava por narrar eventos sem muito efeito ou relevância. O personagem Hinton, por exemplo, tem dois capítulos (principalmente dentro do túnel do metrô) em que se perde (e perde minha atenção também) em devaneios e reflexões arrastados demais.
Outra situação que não me agradou tanto foram as personagens femininas da trama. Achei a descrição de ambas bem misóginas. Cenas de estupro e abuso narradas de maneira em que a vítima se sinta excitada ou favorável no decorrer do ato me parecem não só questionáveis, mas também inverossímeis.
Ainda que o autor tenha tentado trabalhar uma critica social, esta poderia ter sido melhor formulada.
Saindo um pouco do âmbito das criticas e tentando garimpar pontos interessantes e/ou positivos da história e da narrativa em geral, acho que o livro destaca alguns aspectos curiosos como a relação familiar que o grupo principal encara a ligação de seus membros.
O líder, na maioria das vezes o mais velho ou mais forte e temido do grupo, é chamando de "pai". O segundo no comando seria o "tio" e o restante seriam os "filhos", estando a frente no comando quem fosse mais velho.
As ordens disparadas pelos primeiros no comando são quase sempre obedecidas (ainda que de má vontade) e a confiança e união em torno de uma causa levantada pelo "pai da família" contrasta com o julgamento que eles fazem de seus próprios parentes consanguíneos.
A ambição por controle e poder, o descaso com os agentes da vara da juventude e a maneira agressiva com que enfrentam seus oponentes, contrastam com a maneira imatura, ingenua e infantil como se comportam quando estão a sós, denotando que apesar das agruras de sua realidade, do peso de suas escolhas e da necessidade de se autoaprovar como "homens", ainda são crianças.
Sobre este ultimo ponto (provarem-se "Homens") se forçarmos um pouco podemos notar uma contradição lógica em suas ambições de subversão, pois se pararmos para analisar onde a história começa, o objetivo do líder Ismael é justamente lutar com o que eles chamam "O Homem" ou "Os Outros" que seriam aqui os adultos e a sociedade de um modo geral.
Esses são culpabilizados e preteridos pela atual condição que aflige aos garotos, mas contraditoriamente, são justamente aquilo que os garotos buscam se tornar: um homem adulto, reconhecido como tal pela sociedade (e por si mesmo), esteja isso disponível através de atitudes morais ou imorais, pacificas ou agressivas.
Lógico, eles querem ser respeitados como "os outros", mas não conseguem vislumbrar a ideia de que inevitavelmente crescerão e poderão se tornar aquilo contra o que estão lutando. Daí o paralelo perceptível e contraditório: Lute contra o "homem", para ser reconhecido como homem.
Outro fato interessante a se notar: a história raramente faz menção do sentimento de perda e/ou saudade dos membros que são pegos pelos "outros" ou por gangues rivais. É como se não houvesse tempo para lamentações e o processo de escolha para um novo "pai" e "tio" fosse feito com a mais normal naturalidade.
Traçando uma comparação com o clássico "Capitães da Areia" pude perceber a genialidade de Jorge Amado em discorrer sobre a história dos mesmos e conseguir trabalhar de maneira muito mais interessante todos os personagens.
Fato que em The Warriors não acontece. Outros personagens com destaque no início do livro não foram bem aproveitados e trabalhados no decorrer da trama.
Ainda comparando as duas obras, em "Capitães da Areia", as críticas são muito bem feitas, a perda de alguns membros muito mais sentidas e até mesmo nas atitudes controversas de "Pedro Bala" (o assédio e estupro de uma garota na praia) o autor faz o leitor se importar com o personagem.
No livro de Jorge, tentamos justificar o injustificável colocando na marginalidade e no descaso das autoridades, parte dos motivos pelos quais aquelas crianças impõem sua sexualidade de maneira tão deturpada e abusiva.
Faltou a expertise e o olhar acurado do amado Jorge nas traçadas linhas de Yurick. Uma pena.
The Warriors - Os Selvagens da Noite contém uma ideia promissora, mas mal executada. Ao fim da leitura, pra quem já teve contato com obras que retratem temas parecidos de melhor maneira, acredito que a sensação será negativa. Mas uma leitura distante das demais referências pode persuadir outro leitor.
No mais, não funcionou pra mim.
Prefiro o filme icônico do diretor Walter Hill repleto de cenas memoráveis e frases eternizadas:
"Warriors, Come Out to Play…"