Gabi 15/11/2015"O vigia de cada um é sua própria consciência."Já havia me sentindo completamente atingida pelas palavras de Harper Lee em O Sol é para todos, mas Vá, coloque um vigia partiu meu coração. Enquanto o primeiro livro contrasta a inocência e o preconceito, o segundo conduz o leitor às dolorosas corrupturas sofridas durante o processo de amadurecimento de Jean Louise Finch, a pequena Scout.
Desde criança, a garotinha nunca entendeu muito bem o que levava brancos e negros a travarem uma guerra: ela era incapaz de enxergar diferenças entre eles; todos eram seres humanos iguais.
"Se fosse mais perpicaz, se tivesse sido capaz de romper as barreiras de seu mundo insular e altamente seletivo, talvez tivera descoberto que tivera desde sempre um defeito de visão que passara despercebido a ela e aos mais próximos: era incapaz de distinguir as cores."
Muito desse seu jeito de compreender o mundo vinha de Atticus, um pai viúvo, advogado e completamente adepto à justiça, independentemente da cor.
"Direitos iguais para todos, privilégios para ninguém."
Após vê-lo dar tudo de si em um Tribunal para defender um negro e sofrer agressões verbais de todos os tipos por causa disso, Jean Louise vai crescer tendo ele como uma espécie de Deus para si. Atticus era tudo para ela; a única pessoa no mundo que não queria fazer dela uma dama tradicional; dava liberdade à filha para ser quem quisesse ser.
Apesar de não ter mudado nem um pouco depois de crescida, Scout vai ter suas convicções estragadas a partir do momento em que descobrir na pessoa que ela mais ama um desconhecido.
"Tudo tinha acontecido tão rápido que ela ainda estava com o estômago embrulhado. (...) por mais que tentasse, não conseguia pensar, só sabia de uma coisa, que era a seguinte: o único ser humano no qual ela confiava completamente, com toda sua alma, a decepcionara (...), a tinha traído pública, completa e descaradamente."
Além de se sentir traída pelo pai, pelo homem por quem estava apaixonada - Henry - e também pela pessoa que mais admirava, o tio Jack, Jean Louise vai descobrir que o maior aliado que ela pode ter é seu vigia -ou seja, sua prórpia consciência.
"O vigia de cada um é sua própria consciência."
Convencida de que o mundo estava tomando os rumos errados, a versão crescida de Scout passa a lutar pelo que acredita, mesmo que isso exija romper laços que para ela sempre foram alicerces.
"É preciso ver as coisas como elas são além de vermos como deveriam ser."
Durante todo esse processo doloroso para a personagem, Harper Lee consegue - mais uma vez - ilustrar muito bem o que foram os EUA durante a década de 50: um país de maioria intolerante, medíocre e hipócrita, que se metia em guerras e apoiava as atrocidades cometidas pelo Klu Klux Klan, simplesmente por acreditar uma ideologia vergonhosa que separava o ser humano em raças inferiores ou superiores. Mas, mais vergonhoso que a própria ideologia, é o momento em que descobrimos por que um romance como esse é atemporal: o mundo não mudou; o mundo continua o mesmo. É por essa razão que julgo os livros de Harper Lee obrigatórios para vida, para formar quem somos e quem podemos ser.
"(...) é sempre fácil olhar para o passadoe ver como éramos ontem ou dez anos atrás. Difícil é ver o que somos hoje. Se conseguir fazer isso, vai sobreviver."
No entanto devo ressaltar que, embora Vá, coloque um vigia seja um livro maravilhoso, não chega a ser tão arrebatador quanto O Sol é para todos - que é mais bem desenvolvido e cumpre melhor seu dever ao emocionar o leitor, além de transmitir a mensagem contida na história de maneira mais marcante.