Iris Figueiredo 07/11/2016
Um romance de formação brasileiro
Em “O próximo da fila”, nenhum dos personagens tem nome. Isso faz com que o protagonista possa ser eu, você, qualquer um que a gente conhece. Um rapaz de classe média, que tinha uma vida relativamente confortável, até que o pai morre e sua vida muda: precisa ir para uma escola pública, se mudar para uma casa pequena e apertada. Ele vê o mundo de cima, se acha muito superior aos seus colegas, mas aos poucos vai aprendendo que não é assim que a banda toca.
Então ele precisa se virar para ajudar a mãe. A maior parte do livro se passa pós-impeachment de Collor, um cenário conturbado na política e economia brasileira. O rapaz vai, então, trabalhar em uma famosa franquia de fast-food – você sabe qual –, o que o faz descobrir um pouco mais sobre si mesmo, a vida, seus esforços, seu lugar no mundo. Além de, claro, encontrar seu primeiro amor.
O romance de Henrique Rodrigues tem uma prosa ágil. Dotado de um estilo próprio, especialmente na construção dos diálogos, o livro é curto, porém certeiro. Ele trabalha muito bem com um protagonista que está amadurecendo. Precisa lidar com o próprio orgulho e aprender que nada é definitivo e que nem todo mundo recebe as coisas de bandeja – não como os lanches do local onde trabalha.
A maior parte do romance acompanha o ponto de vista do protagonista, mas alguns capítulos nos levam para passear na história de outros personagens envolvidos na trama. Aos poucos, você vai desatando alguns nós que o autor deixa ao longo da história. Ainda assim, ele consegue trazer um final que tem um quê de surpreendente, fugindo do óbvio.
Em nenhum momento o fato dos personagens não terem nome causa estranheza, muito pelo contrário. A trama é bem intricada e até mesmo os secundários são bem desenvolvidos. Acho que uma das coisas mais interessantes dos personagens não serem nomeados é que passa ao leitor uma impressão de que eles estão refletidos em qualquer um. Ao mesmo tempo, que eles não tem identidade, ao menos para a realidade que o protagonista vive e no local onde ele trabalha: existem milhares iguais, que podem ser substituídos, tudo para manter o Padrão.
É uma crítica à nossa sociedade, ao modo como vemos as pessoas que nos servem ou estão em uma posição abaixo da nossa. É sobre diferenças e como elas não são bem vindas em nossa sociedade onde tudo é uniforme, parecido. O que foge do Padrão de Qualidade - assim, em letras capitulares - é errado, não deve ser considerado.
É uma ficção ordinária, tratando de pessoas que constantemente vemos como invisíveis. Quando chegamos ao balcão de uma lanchonete, não pensamos muito em quem está atrás dele, nos servindo. Vemos o boné, o uniforme, mas não enxergamos o ser humano. Para nós são todos iguais, vivendo em um "subemprego". O autor, que já trabalhou em uma cadeia de fast-food, consegue expor bem a forma como nós, meio sem querer, acabamos vendo aqueles que estão uniformizados: como se fossem um só, substituíveis, produção em série, todos iguais.
"O próximo da fila" o que a gente chama de “romance de formação”, que narra o amadurecimento de um jovem - sua saída da zona de conforto para o mundo adulto, seu crescimento individual e o enfrentamento dos medos e da realidade. Foi um livro que gostei muito, original e direto. Recomendo bastante!
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