Carla.Parreira 23/10/2023
Morri para viver é um livro biográfico sobre a vida de Andressa Urach, uma das personalidades da mídia que quase morreu por causa da sua insana obsessão por dinheiro, beleza (modismo) e sucesso. Depois de viver voltada para a prostituição, os vícios e as cirurgias plásticas, ela precisou passar pela quase morte para encontrar o verdadeiro sentido da vida. Eis alguns trechos do livro: ?...Sempre existe outra versão para os fatos... De repente, minhas dores sumiram. Os buracos na perna, a deformação das coxas, a infecção que se espalhou. Não sentia nenhum suplício. A enfermidade havia desaparecido. Meu corpo estava limpo, completamente são. Que paz era aquela que invadia meu interior? Onde estava a agonia que apertava meu peito? Como todo aquele tormento havia terminado assim, de uma hora para outra? O inacreditável parecia real. Eu me vi levantando do meu corpo, flutuando pelo quarto, enquanto me observava na cama do hospital. Sumiram minhas noções de tempo e espaço. Ficou tudo turvo. Eu não tinha controle para voltar. Fora do corpo, conseguia enxergar em todas as direções ao mesmo tempo. Parecia um desligamento completo do meu cérebro, apenas a minha consciência funcionava. Não é uma coisa física que se pode explicar. A minha alma não estava presa ao corpo. Eu estava na fronteira da morte. A sensação era nítida: estava partindo para o outro lado, era o fim da vida para mim. Cheguei a um lugar vazio, como um deserto, silencioso, diferente de tudo o que já tinha visto. Muito limpo, muito branco. Um vale extremo. A paisagem mirava o infinito de nuvens. Não é possível descrever ao certo essa imagem. Fui tomada por um sentimento indescritível de serenidade. Era uma sensação de prazer e de bem-estar que não tem explicação. Tudo era claro, muito claro. Vi uma luz muito forte bem ao fundo, que me acompanhava cada vez mais de perto. Não tinha a forma de um corpo humano. É a luz mais brilhante que poderia existir e, ainda assim, não ofuscava minha visão. Era uma luz acolhedora. Era a paz absoluta. A experiência é impossível de ser reproduzida com fidelidade em palavras. Era Deus. Eu sei que era Deus. Eu vi Sua luz. Eu estava parada diante de Deus, despida, humilhada, aguardando o julgamento do destino da minha alma. Isso era claro para mim o tempo inteiro.
E, de repente, como se eu resgatasse toda a memória, comecei a ver uma retrospectiva acelerada da minha vida. Flashes de cenas rápidas como na exibição de um filme. Comecei a visitar momentos do meu passado. Infância perdida, juventude rebelde, mulher sem princípios e valores. Tudo passou diante dos meus olhos. Dinheiro, imóveis, carros, beleza, luxúria, fama e as atrocidades cometidas em nome de tudo isso. O que eu havia conquistado na vida estava ali, sem valor algum, reduzido a nada. Restava apenas a minha alma. Não merecia estar com Deus, só a condenação por toda a eternidade. Não havia solução para mim, sabia disso. Minha história de vida era tão suja que não conseguia mais olhar para Deus. Eu não tinha coragem de erguer meus olhos para Ele. Meu rosto estava cabisbaixo de tanta vergonha e humilhação. Minhas mãos estavam juntas, colocadas na altura do coração. Minha culpa era enorme. Pensei no meu filho e supliquei uma segunda chance. Eu precisava de uma segunda chance. Uma oportunidade para consertar o que fiz e o que fui. ? Perdão, meu Deus! Perdão! Perdão, meu Pai! Meu filho precisa de mim. Vou fazer tudo diferente, se eu tiver uma segunda chance. Perdão! Perdão! Perdão, meu Deus! Perdão! Perdão! A luz desapareceu no momento seguinte. A cena registrada na minha mente seguia, na minha terrível tentativa de respirar. Eu me percebia entubada, me empenhando para puxar o ar com a ajuda de aparelhos respiradores. A sensação era de sofrimento, de uma tortura física que não passava. Eu permanecia em coma profundo de volta à Terra. No quarto do hospital, minha mãe era a única familiar autorizada a ficar ao meu lado durante essa fase da internação. As visitas eram controladas com rigor por causa do risco de infecção. A todo momento, chegavam novas informações negativas. Os médicos de plantão diziam que a infecção no meu corpo estava avançando... Certa noite, tive outro momento de pânico: vi espécies de anjos da morte se aproximando, parecendo buscar meu corpo. Vultos negros que rodeavam o leito do hospital. Meu quarto estava cercado deles. A cena se passou de forma nítida. Eram espíritos ruins, porque sentia pulsar uma sensação de angustia, uma agonia que se multiplicava conforme essas imagens tenebrosas rondavam meu corpo. Era a morte, na minha visão. Gritei, desesperada, pedindo socorro para minha mãe. Comecei a me debater na cama... A fé viva que resgatou meu primo do crime poderá me salvar do coma. Juntos, ele, minha mãe e os pastores se uniram em correntes de oração por minha saúde. Mesmo as notícias ruins não os abatiam. Eu passei por rejeição a medicamentos, ganho e perda de peso excessivos, transfusões de sangue, febres intensas, crises respiratórias, infecções e inflamações graves, ameaças de falência múltipla de órgãos. Mas nada abalava a crença absoluta de todos eles durante o meu período como paciente na UTI. Os momentos de coma também me fizeram enxergar um mundo espiritual até então desconhecido. Afinal, o que existe depois que a vida acaba? Para mim, a morte sempre significou o fim de tudo. Minha mente nunca aceitou a possibilidade de eternidade com ou sem Deus. Mas a jornada fora do meu corpo me provou que a nossa alma é eterna e cada um, aqui e agora, decide o destino dela. Não tenho dúvida sobre isso. Conversei com médicos e especialistas para achar uma explicação cientifica para o que aconteceu comigo. Queria saber se tudo podia ser uma ilusão produzida de alguma maneira pelo meu cérebro. Ouvi neurocientistas e psiquiatras e cheguei à conclusão de que não há como compreender. Não foi uma alucinação, não foi um sonho. Entendi que a ciência ainda não tem respostas conclusivas sobre experiências como as que eu vivi. Soube de um famoso neurocientista da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, chamado Eben Alexander, que teve uma passagem parecida com a minha após ficar sete dias em coma ao ter uma meningite devastadora. A doença foi provocada por uma bactéria que atacou o seu cérebro. Segundo o próprio médico conta, toda a parte do seu crânio que nos dá consciência, pensamentos, memória e entendimento não estava funcionando e ele tinha poucas chances de vida. Ainda assim, viu cenas que vão além do corpo e além deste mundo enquanto estava desacordado. Sobreviveu sem sequelas após uma semana. Depois de passar a vida inteira como ateu, o médico que estuda o cérebro decidiu acreditar na existência de Deus. Como ele, eu também afirmo: há, sim, vida após a morte... No total, foram quatorze cirurgias em menos de quatro anos. Em média, uma a cada três meses e meio. Gastei mais de um milhão de reais em intervenções, clínicas e tratamentos pré e pós-operatório. Eu não conseguia enxergar a loucura dos meus atos. Nada me segurava. Já no período de extração do hidrogel, em meio a tantos acessos de dores, acordei depois de uma operação decidida a realizar mais duas novas cirurgias plásticas: cortar os dedos dos pés para calçar um número menor e retirar uma costela de cada lado para ter a cintura mais fina. Meu cirurgião se negou a fazer... Sempre compreendi que um ser humano não pode dar o amor que nunca recebeu. Nem a educação e o carinho que jamais existiram para ele. Nossa família foi vítima de uma sucessão de erros. A raiz para tantos males é espiritual... Um passo decisivo foi parar de sentir autopiedade. Assumi meus erros para mim mesma. A culpa de tudo não poderia ser unicamente dos meus abusos e traumas da infância. Quantas mulheres se reerguem desse labirinto e conseguem vencer na vida, se tornar pessoas de bem e com amor-próprio? Foram centenas de programas sexuais em um ataque ao meu corpo em busca de cifras maiores. Decisões que me fizeram colher os frutos lá na frente por minha própria e única responsabilidade. Minhas escolhas me levaram ao fim de um túnel sem saída. Parei de sentir pena de mim mesma, abandonei o papel de vítima. Nada poderia reverter esse passado, mas a maneira de lidar com isso deveria ser diferente. Eu colhi os resultados de tudo o que plantei. Fui eu a maior responsável por tantos desgostos. Fui eu que me afundei... Os meus pensamentos me impulsionam a seguir adiante. Quem não tem o direito de começar de novo?... Quem pode tirar o direito de alguém de reiniciar a vida? De tentar ser um ser humano melhor?... Eu escolhi recomeçar.?