thecferreira 03/12/2016
Fichamento de Transcrição (spoiler)
FRANKL, Viktor E. O Sofrimento de Uma Vida Sem Sentido: Caminhos Para Encontrar a Razão de Viver. Tradução Karleno Bocarro. São Paulo: É Realizações, 2015. 128 p.
Introdução
“Cada época tem suas neuroses e cada tempo precisa de sua psicoterapia. De fato, hoje não nos defrontamos mais, como nos tempos de Freud, com uma frustração sexual, mas, sim, com uma frustração existencial. E o paciente típico de nossos dias não sofre tanto, como nos tempos de Adler, de um sentimento de inferioridade, mas de um sentimento abismal da falta de sentido, que está associado a um sentimento de vazio interior, razão pela qual tendo a falar de um vazio existencial.” (9 p)
“Quando me perguntam como explicar o advento desse vazio existencial, cuido então de oferecer a seguinte fórmula abreviada: em contraposição ao animal, os instintos não dizem ao homem o que ele tem de fazer e, diferentemente do homem do passado, o homem de hoje não tem mais tradição que lhe diga o que deve fazer. Não sabendo o que tem e tampouco o que deve fazer, muitas vezes já não sabe mais o que, no fundo, quer. Assim, só quer o que os outros fazem – conformismo! Ou só faz o que os outros querem que faça – totalitarismo.” (11 p)
“Ao contrário da neurose no seu sentido estrito, que constitui, por definição, uma afetação psicogênica, a neurose noogênica não se reporta a complexos e conflitos no sentido clássico, mas deriva de conflitos de consciência, de colisões de valores e [...] de uma frustração existencial, a qual, uma vez ou outra. Pode expressar-se e manifestar-se sob a forma de uma sintomatologia neurótica. ” (11 p)
“[...] o homem destina-se verdadeiramente – e onde não mais, ao menos originalmente – a encontrar um sentido em sua vida e a realizar esse sentido. Isso é o que também procuramos descrever na logoterapia com o conceito motivacional teórico de ‘vontade de sentido’. ” (13 p)
“Considerando que pretendo voar para o leste, enquanto do norte sopra um vento lateral, meu avião terminaria por desviar-se para o sudeste; se, pelo contrário, manobro a máquina para o nordeste, então voarei de fato para o leste e aterrisso onde pretendia aterrissar. Não acontece o mesmo com o homem? Tomemo-lo pura e simplesmente como ele é, torná-lo-emos consequentemente pior.” (13 p)
“[...] ao homem só é dado conhecer a exigência de um sentido de vida quando ele está bem (‘primeiro vem o estômago, depois a moral’). Entretanto, contrariamente a isso, temos – e não somente nós, os psiquiatras – a oportunidade de observar, repetidas vezes, que a necessidade e a questão de um sentido de vida irrompem justamente quando as coisas beiram o desespero. É o que podem testemunhar, entre nossos pacientes, os moribundos, bem como os sobreviventes dos campos de concentração e os prisioneiros de guerra!” (15 p)
“Deparamo-nos aqui com um fenômeno humano que considero fundamental do ponto de vista antropológico: a autotranscedência da existência humana” O que pretendo descrever com isso é o fato de que o ser humano sempre aponta para algo além de si mesmo, para algo que não ele mesmo – para algo ou para alguém: para um sentido que se deve cumprir, ou para um outro ser humano, a cujo encontro nos dirigimos com amor. Em serviço a uma causa ou no amor a uma pessoa, realiza-se o homem a si mesmo. Por conseguinte, só pode realizar a si mesmo à medida que se esquece de si mesmo, que não repara em si mesmo.” (15 p)
“[...] a pessoa que se dedica especialmente ao prazer e as diversões é aquela que, em relação à sua vontade de sentido, ao fim, se mostra frustrada [...], presa ao seu desejo primário.” (16 p)
“Enquanto a investigação da paz restringir-se a interpretar a agressividade como um fenômeno sub-humano e não analisar o fenômeno do “ódio”, estará condenada à esterilidade. O homem não cessará de odiar se o levarmos a crer que é dominado por impulsos e mecanismos.” (19 p)
“[...] a respeito da felicidade e de seu caráter de “efeito”, não é menos válido em relação ao prazer sexual: quanto mais alguém busca o prazer, tanto mais o perde. [...] Confrontamo-nos hoje em dia om uma inflação sexual que, como toda inflação – a do mercado monetário, por exemplo – anda lado a lado com a desvalorização. [...] Seria inclusive o mais intrínseco interesse daqueles aos quais não resta outra coisa senão o prazer e o gozo sexual se estes se preocupassem em colocar seus contatos sexuais num nível de relação com o parceiro para além do simples sexo, elevando-os, portanto, a um nível de relação com o parceiro para além do simples sexo, elevando-os , portanto, a um nível humano.” (20-21 p)
“[...] sabemos igualmente quanto isso (o interesse despersonalizado pelo ato sexual em si) se prestou para enfraquecer a potência e o orgasmo. E quem, por conseguinte, pondera que sua salvação está no refinamento de uma técnica do amor, não faz mais do que matar o resto daquela espontaneidade, daquilo que é direto, daquela naturalidade e daquela ingenuidade que não a condição e o pressuposto de um funcionamento sexual normal de que tanto precisam os neuróticos sexuais.” (22 p)
“[...] a lição que pude levar comigo mesmo de Auschwitz e Dachau: que os que se mostraram mais aptos a sobreviver, ainda mais em tais situações limites, foram aqueles que, reafirmo, estavam orientados para o futuro, para uma tarefa que os esperava mais adiante, para um sentido que desejavam realizar.” (23 p)
“O sentido não pode ser dado; antes, tem de ser encontrado. E esse processo de encontro do sentido tem como finalidade a percepção de uma Gestalt, uma figura. Os fundadores da psicologia da Gestalt, Lewin e Wertheimer, já falavam de um caráter de exigência, que vem ao nosso encontro em cada uma das situações com as quais confrontamos a realidade. Wertheimer chegou ao ponto de atribuir a cada exigência (“requiredness”), implicada em casa sitação, uma qualidade objetiva (“objective quality”). A propósito, diz também Adorno: ‘O conceito de sentido envolve a objetividade além de todo agir’. ”. (24 p)
“O sentido deve ser encontrado, mas não pode ser produzido.” (24 p)
“O sentido não só deve, mas pode ser encontrado, e a consciência conduz o homem em sua busca.” (25 p)
“A consciência é um dos fenômenos mais especificamente humanos; mas não apenas humano. É também demasiadamente humano, e de tal maneia que participa na condition humaine, e portanto é marcada por sua finitude. Só assim se compreende como a consciência pode, às vezes, enganar-se e também desviar o homem. Mais do que isso: até o derradeiro momento, até o último suspiro, o homem não sabe se realmente cumpriu o sentido da vida ou antes somente acreditou tê-lo cumprido: ignoramos et ignorabimus.” (25 p)
“Em um tempo no qual os Dez Mandamentos parecem perder o eu valor para tantos e muitos, o homem tem de estar preparado para perceber os dez mil mandamentos cifrados em dez mil situações com as quais ele confronta sua vida.”(26 p)
“De um modo ou de outro: mais do que nunca a educação é, hoje em dia, uma educação para a responsabilidade. E ser responsável significa ser seletivo, ser meticuloso. Vivemos no ventre de uma affluent society, vivemos inundados de estímulos provenientes dos mass media e vivemos na era da pílula. Se não quisermos afogarmos numa torrente de estímulos, e nem perecer numa promiscuidade completa, então devemos aprender a distinguir entre o que é essencial e o que não é, entre o que tem sentido e o que não tem, entre o que é responsável e o que não é.” (26 p)
“Não há nenhuma situação na qual a vida cesse de oferecer uma possibilidade de sentido, e não há nenhuma pessoa para quem a vida não coloque a disposição um dever.” (26-27 p)
“Nenhum psiquiatra, nenhum psicoterapeuta – também nenhum logoterapeuta – pode dizer a um paciente qual é o sentido; contudo, pode muito bem afirmar que a vida tem um sentido.” (27 p)
“Não há nenhuma situação de vida que seja realmente sem sentido. Isso ocorre porque os aspectos aparentemente negativos da existência humana, especialmente aquela tríade trágica na qual convergem o sofrimento, a culpa e a morte também podem plasmar-se em algo positivo, numa realização. Mas, é claro, mediante uma atitude e firmeza adequadas.” (28 p)
“Com que direito, porém, arriscamo-nos a dizer que a vida cessa de ter um sentido para alguém? Isso se deve ao fato de que o homem é capaz de converter uma situação que, humanamente considerada, não tem saída em nenhuma realização. É por isso que existe no sofrimento uma possibilidade de sentido. Evidentemente, estamos a falar de situações insolúveis e inevitáveis que não se deixam modificar, de um sofrimento com que não se pode acabar. Como médico, penso naturalmente nas doenças incuráveis, em carcinomas que não se podem mais operar.
Ao cumprir um sentido, o homem realiza a si mesmo. Se cumprirmos o sentido do sofrimento, realizamos então o que de mais humano o homem tem; amadurecemos, crescemos para além de nós mesmos. Precisamente aí, onde nos encontramos desamparados e desesperados, quando enfrentamos situações que não se podem mudar, precisamente aí é que somos chamados, e nos é exigido, a mudar a nós mesmos. E ninguém descreveu isso com mais exatidão do que Yehuda Bacon, que esteve em Auschwitz quando ainda era um menino e sofreu de obsessões depois de sua libertação:
‘Vi um enterro, com música e um magnífico caixão mortuário, e comecei a rir: estão loucos, tudo isso por causa de um único cadáver? Quando ia a um concerto ou ao teatro, tina de calcular quanto tempo era preciso para exterminar, em câmaras de gás, as pessoas ali reunidas, e quantas peças de roupa, dentes de ouro e sacos de cabelos se poderiam juntar.’
E então perguntaram a Yehuda Bacon que sentido poderiam ter os anos em que passara em Auschwitz:
‘Quando rapaz, pensava: vou contar ao mundo o que vi em Auschwitz – na esperança de que o mundo se tornasse outro. Mas o mundo não mudou, e o mundo nada quis ouvir sobre Auschwitz. Só muito mais tarde comprrendi verdadeiramente qual é o sentido do sofrimento. O sofrimento tem um sentido quando tu mesmo tornas-te outro’.” (29-30 p)
Freud, Adler e Jung
“Se de repente – se assim posso expressar-me - me fosse exigido fazer um esboço dos sentimentos de Freud, eu diria que foi mérito seu haver colocado a questão do sentido, conquanto lhe desse um significado diferente do nosso ou mesmo não lhe desse nenhuma resposta. À medida que o fez, essa questão foi colocada na âmbito do espírito de seu tempo, isto é, em um duplo aspecto: primeiro no aspecto material, uma vez que Freud encontrava-se preso ao espírito da chamada cultura de veludo vitoriana – pudica de um lado, lasciva, de outro -, e segundo, no aspecto formal, uma vez que suas concepções tinham como base um modelo mecânico que não era de nenhum modo o mais eficaz só porque se chamava (eufemisticamente) ‘dinâmico’.” (34 p)
“Para Freud, o sentido dos sintomas neuróticos era inconsciente não apenas na acepção de ‘esquecido’, mas também na acepção de ‘reprimido’. Quer dizer, tratava-se de um sentido que fora empurrado para o inconsciente.” (34 p)
“Para a psicanálise, a neurose inclina-se, afinal, a um compromisso, a um compromisso entre instintos conflitivos entre si ou então entre as pretensões de diversas instâncias intrapsíquicas, como as que são denominadas pela psicanálise de id, ego e superego.” (35 p)
“No entanto, a psicanálise cometeu o erro de limitar o campo de visão não só em relação a uma ‘genealogia da moral’, quer dizer, como um suposto apoio a favor da repressão os instinto, mas também em relação à teleologia que domina o ser psíquico, visto que pressupõe o princípio – deduzido da biologia – da homeostase, o qual valeria, em primeiro lugar, no âmbito da natureza, e, em segundo, no da cultura.” (35 p)
“As tendências principais admitidas por Freud estão pensadas em termos homeostáticos. Quer dizer, Freud explica toda ação como colocada a serviço do equilíbrio perturbado. Todavia, essa hipótese, vinda da física de seu tempo, e segundo a qual a distensão seria a única básica primária do ser vivo, está completamente errada. O crescimento e a reprodução são processos que resistem à explicação através e tão somente do princípio homeostático.” (36 p)
“A motivação é considerada um estado de tensão, que nos leva a buscar o equilíbrio, o sossego, a acomodação, a satisfação e a homeostase. No quadro dessa visão do ser humano, a personalidade não é nada mais do que o modo de diminuir nossas tensões. Naturalmente, essa perspectiva casa perfeitamente bem com a concepção, que serve de base ao empirismo, segundo a qual o homem é intrinsecamente um ser passivo que recebe impressões única e exclusivamente do exterior e reage única e exclusivamente a elas. Isso pode ser bastante correto quando temos de lidar com a natureza da aspiração humana, cuja característica própria é justamente a de não se encontrar, de modo algum, vocacionada ao equilíbrio ou à redução das tensões – pelo contrário; é vocacionada à manutenção das tenções.” (36 p)
“O sentimento de inferioridade exige por sua vez a compensação; seja no âmbito da comunidade, e evidentemente na sua expressão, o ‘sentimento de solidariedade’ – a partir daqui se mostra que, para além do biológico, se compreende um momento sociológico -, seja na condução a uma compensação ou a uma supercompensação desse sentimento para além da comunidade, o que, segundo a teoria da psicologia individual, constitui a natureza da neurose.” (37 p)
“C. G. Jung [...] ousa definir a neurose como ‘o sofrimento da alma que não encontrou seu sentido’.” (37 p)
“De tudo isso se conclui que o que a psicanálise, ao contrário de como ela se compreende a si mesma, isto é, no sentido que atua por meio de uma conversão do dinamismo afetivo e da energia impulsiva, faz, na realidade, quando alcança seu efeito terapêutico, é trazer uma nova orientação existencial ao paciente. Se uma palavra tão em moda não causar horror, podemos falar com razão de um encontro humano como o agente autêntico das normas de tratamento psicanalítico. De igual modo, a chamada transferência nada mais é do que um veículo desse encontro humano, e assim também o entende Rotthaus quando contesta que a transferência representa um pressuposto incondicional do procedimento psicoterapêutico. É evidente que uma nova orientação existencial – como aquela que visa à analise existencial de modo direto e com plena consciência de método – considera como tal, quer dizer, enquanto existencial , rompe, pelo menos tanto quanto a chamada transferência, as fronteiras dos processos meramente intelectuais, racionais, e com efeito põe em andamento um processo total, plenamente humano.” (41 p)
A logoterapia
“[...] a logoterapia não permanece na esfera da neurose, senão que a ultrapassa e encontra a dimensão dos fenômenos especificamente humanos. De fato, a psicanálise, por exemplo, vê na neurose o resultado de processos psicodinâmicos e tenta, em conformidade com isso, trata-la de modo que promova novos processos psicodinâmicos, como acontece com a transferência. A terapia do comportamento – uma teoria fundamentada na aprendizagem -, por seu turno, vê na neurose o produto de processos de aprendizagem [...] e se esforça, consequentemente, em influenciar a neurose de modo que a encaminhe para uma espécie de reaprendizado [...]. Em contrapartida, a logoterapia ascende à dimensão humana, tornando-se, dessa maneira, capaz de acolher em seu instrumental os fenômenos especificamente humanos que nela se encontram.” (44 p)
“Assim como o neurótico fóbico reage a seus ataques obsessivos com medo ao medo, também o neurótico obsessivo reage a seus ataques obsessivos com medo à obsessão, e apenas a partir dessa reação é que surge a neurose propriamente obsessiva e clinicamente manifesta.” (49 p)
“O que realmente conta terapeuticamente é a ampliação do espaço dessa liberdade a partir do momento em que se cria uma distância entre o humano no doente e o doente no homem. Tal terapia não é sintomática; ao contrário: não se preocupa demasiadamente com os sintomas, senão que se dirige à pessoa do paciente – a saber: que ela se esforce em mudar a atitude deste perante o sintoma. Contanto que a logoterapia não se volte para o sintoma, mas procure levar a uma mudança de atitude, a uma nova orientação para com o sintoma, ela é uma autêntica psicoterapia personalista.” (49 p)
“[...] o prazer não pode intencionar como fim último em si mesmo, senão que se realiza, propriamente falando, no sentido de um efeito, de modo espontâneo, justamente quando não é perseguido. Pelo contrário, quando mais se busca o prazer, tanto mais ele foge.” (50 p)
A intenção paradoxal
A derreflexão
“O elemento característico do modelo de reação neurótica sexual é a luta pelo prazer. E podemos aqui observar, novamente, como o paciente se emaranha num círculo vicioso. A luta pelo prazer, a luta pela potência e pelo orgasmo, a vontade de prazer, a hiperintenção forçada ao gozo conduzem não ao prazer, mas a uma hiperreflexão forçada sobre si mesmo: inclina-se, durante o ato, a observar a si mesmo e, se é possível, a também espiar o parceiro. É o fim para a espontaneidade.” (59 p)
“[...] na medida em que alguém repara no ato sexual em si, nessa mesma medida se faz inapto à entrega plena a ele.” (59 p)
“É claro que do mesmo modo que intenção forçada patogênica deve ser substituída na terapia pela intenção paradoxal, de maneira análoga a hiperreflexão patogênica precisa, como corretivo, de uma derreflexão. Muitas vezes temos comprovado que, a fim de solucionar um sintoma, a única coisa necessária é a dissolução da atenção localizada centralmente no dito sintoma”. (60 p)
“Um jovem casal procurou-me preocupado com a impotência do esposo. Sua mulher lhe havia dito reiteradas vezes que ele era um amante miserável [...], e que agora pensava em procurar outros homens para finalmente sentir-se satisfeita. Sugeri que ao longo se uma semana, todas as noites e durante ao menos uma hora, eles se deitassem juntos, nus, e fizessem o que lhes agradasse; a única coisa não permitida sob nenhuma circunstância era que mantivessem relações sexuais. Uma semana mais tarde, reencontrei-os. Tinham tentado, disseram-me, seguir minhas instruções, mas, ‘infelizmente’, por três vezes acabaram chegando ao ato sexual. Fiz-me de irritado, insistindo que ao menos na semana seguinte observassem minhas instruções. Passaram-se uns poucos dias e me chamam ao telefone para me comunicar que mais uma vez não conseguiram ater-se ao meu pedido. Pelo contrário, mantinham agora relações sexuais até mais de uma vez ao dia. Um ano mais tarde soube que o êxito continuava vingar.” (63 p)
“[...] não se deve intencionar diretamente algo como a distensão, mas se pode, por outro lado, tentar o caminho de uma intenção paradoxal, ou seja, da intenção oposta à distensão.” (63 p)
A vontade de sentido
“A psicanálise nos deu a conhecer a vontade de prazer, a partir da qual podemos conceber o princípio do prazer, a partir da qual podemos conceber o princípio do prazer, e a psicologia individual nos tornou familiarizados com a vontade de poder, sob a forma da tendência a fazer-se valer. Mas no homem enraíza-se mais profundamente aquilo que designei como vontade de sentido: o esforço pelo melhor cumprimento possível do sentido de sua existência.” (65 p)
“[...] aquilo que o homem realmente quer é, afinal de contas, não a felicidade em si, mas um motivo para ser feliz. Assim que, a saber, é dada uma razão para ser feliz, apresenta-se essa felicidade, comparece espontaneamente o prazer. A experiência clínica diária nos revela, com frequência, que é justamente o afastamento do ‘motivo para ser feliz’ que impede o homem sexualmente neurótico – o homem impotente ou a mulher frígida – de ser feliz.” (65 p)
“Em virtude da sua vontade de sentido, o homem tende a achar um sentido e realiza-lo, mas também a encontrar-se com outro ser humano, a amá-lo sob a forma de um tu. Ambos, a realização e o encontro, dão ao homem um motivo para a felicidade e para o prazer. No neurótico, contudo, tal aspiração primária permanece como que desviada para uma aspiração direta à felicidade, à vontade de prazer. Ao invés de permanecer aquilo que deve ser, ou seja, um efeito (o efeito secundário de um sentido realizado e do ser humano encontrado), o prazer se torna o objetivo de uma intenção forçada, de uma hiperintenção, e esta hiperintenção faz-se sempre acompanhar de uma hiperreflaxão. O prazer se torna conteúdo e objeto únicos da atenção, No entanto, à medida que o homem neurótico se interessa pelo prazer, perde de vista o motivo para o prazer – e o efeito “prazer” já não pode mais ser obtido.” (66 p)
“[...] o homem só é capaz de realizar-se à medida que cumpre um sentido. O imperativo de Píndaro, segundo o qual o homem deve tornar-se quem ele é, requer um complemento, que encontro nas palavras de Jaspers: ‘O que o homem é, o é através da coisa que faz sua’. Como o bumerangue volta para o caçador que o arremessou, quando falha o alvo, assim também só propende para a autorealização o homem que, antes de tudo, fracassou no cumprimento do sentido, e que talvez nem sequer fosse capaz de encontrar o sentido que vale a pena realizar.” (66 p)
“Já não vivemos mais hoje, como no tempo de Freud, em uma época de frustração sexual. Nossa época é a da frustração existencial. E em particular entre os jovens, cuja vontade de sentido se encontra frustrada.” (67 p)
A frustração existencial
“O psiquiatra de hoje encontra muito frequentemente a vontade de sentido, não raras vezes, em forma de frustração. Não há, portanto, somente a frustração sexual, a frustração do instinto sexual ou, em termos gerais, a da vontade de prazer, mas também aquela frustração existencial, como a chamamos na logoterapia ou seja, um sentimento de ausência de sentido da própria existência. Esse sentimento de falta de sentido e de vazio deixou para trás o sentimento de inferioridade no que diz respeito à etiologia das doenças neuróticas. O homem de hoje não sofre tanto do sentimento de que tem menos valor do que algum outro qualquer, mas antes do sentimento de sua existência não tem sentido. Essa frustração existencial é no mínimo patogênica, quer dizer, pode ser a causa de doenças psíquicas, com a mesma frequência quanto a tão incriminada frustração sexual.” (69 p)
“O homem existencialmente frustrado não conhece nada com que possa preencher aquilo que denomino seu vazio existencial. Schopenhauer dizia que a humanidade oscila entre a necessidade e o tédio. Ora, hoje temos – e nós, neurologistas, também, - de lidar mais com o tédio do que com a necessidade, sem excluir, senão incluindo-a categoricamente, a chamada necessidade sexual. De fato, é patente que, por trás dos numerosos casos de frustração sexual, se esconde na verdade a frustração da vontade de sentido: só no vazio existencial prolifera a libido sexual.” (69 p)
“Todas essas questões assumem hoje em dia uma atualidade singular. Vivemos em uma época de crescente tempo livre. Mas há um tempo livre não só em relação a algo, senão também para algo; o homem existencialmente frustrado, todavia, não sabe com que ou como poderia preenche-lo.” (70 p)
“Hans Hoff: A possibilidade de dar um sentido à sua vida, no qual o futuro também assume um aspecto de interesse, pode, em inúmeros casos, retardar o surgimento dos sintomas da velhice.” (70 p)
“Percival Bailey: Existe somente uma maneira de perseverar na vida: ter sempre uma tarefa a cumprir.”
“Considero o ritmo acelerado da vida de hoje como uma vã tentativa de automedicação da frustração existencial; pois, quanto menos conhece o homem a finalidade de sua vida, mais ele acelera o ritmo com o qual o segue.” (71 p)
“Preocupar-se com algo assim como o sentido da existência humana, igualmente duvidar deste ou até desesperar-se perante a pretensa falta de sentido da existência humana, não é de modo algum um estado doentio, um fenômeno patológico, e devemos acautelar-nos, precisamente no quadro clínico, contra semelhante concepção, que poderíamos qualificar de patologismo. Pois é justamente a preocupação com o sentido de sua existência aquilo que distingue o homem enquanto tal – é impossível imaginar um só tipo de animal afetado por semelhante inquietação -, e não podemos reduzir este humano – mais do que isso, primordialmente este mais humano do homem – a um simples demasiado humano, classificando-o, por exemplo, de fraqueza, de doença, de sintoma, de complexo.” (72 p)
O sentido do sofrimento
“Dispomos aqui de um caso concreto que nos permite mostrar como não só a renúncia ao trabalho e à possibilidade de sentido nele existente mas também a renúncia ao amor pode levar o ser humano a perceber que esse empobrecimento também nas possibilidades de sentido imposto pelo destino traz em si ainda possibilidades mais altas de sentido:
Recorreu a mim um médico idoso, que, por muito tempo, exercera as funções de clínico geral. Um ano antes falecera sua esposa, a pessoa que amava mais do que tudo, e não conseguia, no entanto, afastar a dor da perda. Perguntei a esse meu paciente, fortemente deprimido, se já havia refletido sobre o que poderia ter acontecido se tivesse falecido antes da esposa. ‘Nem pensar’, respondeu, ‘minha mulher teria ficado totalmente desesperada’. Só precisei então chamar-lhe a atenção: ‘Veja o senhor, tudo isso acabou por poupar a sua esposa, ainda que ao preço, sem dúvida, de que seja o senhor quem deve agora suportar a saudade’. Seu sofrimento adquiriu um sentido naquele mesmo instante: o sentido de um sacrifício. Não podia nem um pouco mudar o destino, mas tinha mudado a atitude! O destino lhe tinha retirado a possibilidade de cumprir um sentido através do amor. Mas lhe reservara a possibilidade de adotar, diante desse destino, a atitude adequada.” (76-77 p)
“Ou poderia citar a carta que me escreveram os presidiários da penitenciária da Flórida: ‘Encontrei o sentido de minha vida agora, aqui na prisão, e só tenho de esperar algum tempo até ter a oportunidade de reparar tudo que fiz, e de fazer tudo melhor’. O número 049246 escreveu-me: ‘Aqui, na prisão, não faltam oportunidades de se fazer alguma coisa e de se crescer além de si mesmo. Tenho de dizer que de algum modo sou mais feliz como nunca fui’. E o número 552-022 escreveu:
Prezado doutor! Nos últimos meses um grupo de presos vem lendo seus livros e tem escutado suas gravações. Que verdade esta: que se possa também encontrar no sofrimento um sentido... De alguma maneira posso dizer que a minha vida começou agora – que sentimento esplêndido! É enternecedor ver como meus irmãos, em nosso grupo, enchem os olhos de lágrimas ao perceber que sua vida, aqui e agora, ganhou um sentido que antes consideravam impossível. O que acontece aqui chega a ser quase um milagre. Homens que antes se sentiam desamparados e desesperados veem agora um novo sentido em suas vidas. Aqui, nesta prisão, governada pelas mais rígidas medidas de segurança de toda Flórida – aqui, a somente uns cem metros da cadeira elétrica -, precisamente aqui os nossos sonhos tornaram-se verdadeiros. Estamos à véspera de Natal; mas, para nós, a logoterapia significa a Páscoa. Sobre o Gólgota de Auschwitz levanta-se, nesta manhã de Páscoa, o sol. Que novo dia de aproxima de nós.” (77 p)
Pastoral médica
“Em uma época como a nossa – uma era de ampla disseminação da frustração existencial -, nesta época de tantas pessoas desesperados, porque desesperam do sentido de sua vida, e mais: daquelas que se revelam inaptas a suportar o sofrimento e, na mesma medida, nesta época, afirmo, tudo isso adquire uma atualidade singular. Naturalmente, também em épocas anteriores existiu algo assim como a frustração existencial; mas as pessoas que dela padeciam procuravam o sacerdote, e não o médico.” (80 p)
“Não podemos, contudo, esquecer-nos de que, embora a frustração existencial não represente em si um dado patológico, é bem provável que se torne patogênica e conduza, particularmente, a uma neurose. Ou seja, a frustração não é obrigatoriamente, mas sim facultativamente, de tipo patogênica: ela pode levar a uma neurose, mas não necessariamente, e, ao contrário, uma neurose pode estear-se numa frustração existencial; mas as pessoas que dela padeciam procuravam o sacerdote, e não o médico.” (80 p)
“Que fique bem evidente: nem toda frustração existencial se torna patogênica, e nem toda doença neurótica é noogênica.” (81 p)
Logoterapia e religião
“Para a logoterapia, a religião pode ser um objetivo – não uma posição. A religião é um fenômeno do homem, do paciente, um fenômeno entre outros fenômenos que encontra a logoterapia. No entanto, para a logoterapia, tanto a existência religiosa são, em princípio, fenômenos coexistentes. Em outras palavras, a logoterapia deve assumir perante eles uma atitude neutra. A logoterapia é uma orientação médica austríaca – por aqueles que são médicos. Portanto, e não por outro motivo, o logoterapeuta, uma vez que tenha prestado o juramento hipocrático, deve cuidar para que seu método e técnica (logoterapêuticos) sejam aplicados a todos os doentes, crentes ou descrentes; e também para que as técnicas logoterapêuticas sejam aplicadas por qualquer médico independentemente de sua cosmovisão.” (85 p)
“[...] do mesmo modo que o animal não é capaz de entender, a partir de seu ambiente, o homem e o seu mundo, tampouco é possível o homem lançar um olhar no mundo superior.” (86 p)
“Tomemos o exemplo de um macaco em que se aplicam injeções dolorosas com o intuito de obter um soro capaz de curar numerosas doenças. O macaco pode compreender por que tem de sofrer? A partir do seu ambiente ele é incapaz de compreender as intenções do homem empregadas em seus experimentos, uma vez que o mundo humano lhe é inacessível. Ele não alcança esse mundo, não consegue penetrar em sua dimensão; não podemos então supor que o mundo humano é também, por seu turno, superado por outro mundo, que, por sua vez, não é acessível ao homem, um mundo cujo sentido, cujo suprassentido, é o único capaz de dar sentido à sua dor?” (86 p)
“Ainda que a religião, como dito anteriormente, não seja para logoterapia mais do que um objeto, ela, contudo, lhe é muito cara, e por uma razão muito simples: no contexto da logoterapia, logos significa espírito e, além disso, sentido. Por espírito entendemos a dimensão dos fenômenos especificamente humanos, e, em contraposição ao reducionismo, a logoterapia se recusa a reduzi-los a fenômenos sub-humanos ou deduzi-los destes.” (87 p)
“Na dimensão especificamente humana haveríamos de localizar, entre outros, os fenômenos da autotranscendência da existência em direção ao logos. Com efeito, a existência humana aponta sempre para além de si mesmo, aponta sempre para um sentido. Nesse aspecto, a existência não é para o homem um empenho pelo prazer ou pelo poder, nem tampouco pela autorealização, mas antes pelo cumprimento de um sentido. Na logoterapia falamos de uma vontade de sentido.” (87 p)
“Uma vez que podemos definir o homem como um ser responsável, o homem é responsável pelo cumprimento de um sentido. Contudo, em vez de fazermos a pergunta do ‘para que’ na psicoterapia, é preciso colocar-se e deixar em aberto a pergunta do ‘diante de que’ de nosso ser-responsável. É preciso deixar ao paciente a decisão de como interpretar o seu ser-responsável; como ser-responsável diante da sociedade, diante da humanidade, diante da consciência ou diante não de algo, mas diante da humanidade, diante da consciência ou diante de algo, mas diante de alguém, diante do divino.” (87 p)
A crítica ao psicologismo dinâmico
“[...] de modo geral, a luta por um sentido de vida é um fator primário, e mais ainda: a característica mais primária. E, se podemos chama-la assim, em constitutivo da existência humana.” (96 p)
“Pode ser necessário desmascarar e desvendar. Mas é preciso para diante do autêntico; e esse ofício de desvendar só pode ser um meio para o fim de fazer sobressair o que é autêntico, de distingui-lo do inautêntico e, assim, fazer que o autêntico se destaque mais ainda. No entanto, onde o desmascaramento e o desvendamento se tornam um fim em si mesmo, onde não se detêm diante do autêntico – o que precisamente, não se pode desmascarar -, então esse desvendamento já não é um mero meio para o fim, então esta tendência ao desenvolvimento não é senão uma tendência a desvalorizar-se. Perante as arvores das mentiras da vida, o psicólogo, que desvenda, já não vê mais o bosque da própria vida, uma vez que a ânsia de desmascarar, de desvendar, termina por desembocar em cinismo, tornando-se ao fim e em si mesma uma máscara, a máscara do niilismo.” (97 p)