luan_dal 21/11/2022
o gatilho fazendo el paso de anitta
Escrito por necessidade após "viver mais uma aventura emocionalmente masoquista com um menino heterossexual" (segundo o próprio autor na nota inicial), esse livro baseado em fatos tem muito a dizer sobre relacionamentos homossexuais da modernidade líquida (obrigado frases e parágrafos prontos para o Enem que colocavam o querido Zygmunt Bauman em todo tema possível de redação e que eu não usei no fatídico Enem de 2019 (fatídico pois foi o ano q eu fiz) )
Enzo César é um garoto normal de 21 anos que vive no Rio de Janeiro e é uma poc (também conhecido como homossexual, bichinha ou gay). E como toda gay jovem-adulta, Enzo tem muitos relacionamentos proporcionados por aplicativos de bate papo ou novos conhecidos na balada, ou seja, relacionamento de um oba-oba só.
Mas nenhum desses relacionamentos é duradouro. E é aqui que Baumanzinho entra em cena para falar sobre as relações fragmentárias, efêmeras, descontínuas, e sobre o individualismo e consumismo na pós-modernidade (conhecida como contemporaneidade ou dias atuais (para quem eh tiktoker e não sabe palavras com mais de três sílabas) ).
De acordo com meus cálculos, Enzo nasceu nos anos 1990 e cresceu na era da internet, ou seja, na pós-modernidade. Ele não tinha para onde fugir e nem se esconder do desenvolvimento acelerado do mundo e da troca cada vez mais frenética de informações e da comunicação facilitada pelas novas tecnologias.
Isso é ruim? Em partes. Enzo tem uma vida boa, com uma mãe que aceita e respeita sua sexualidade, tem casa, dinheiro etc etc., mas como muitos privilegiados socioeconomicamente, Enzo tem problemas de autoestima, muitos deles causados (provavelmente) pela homofobia ou pelo mundo gay disseminado pelos próprios gays: Enzo se apaixona por um hétero, que não retribui o amor (pg.60); Enzo só se interessa por quem não consegue ler (pg.11), só quer quem não tem mais (pg.76). Ou quem não pode ter: "Se [os caras] são indisponíveis, são interessantes. Se têm namorados, são sonhos de consumo." (pg.83).
Ao saber que um rapaz que conheceu é um ano mais novo, Enzo sente que está velho e pensa que antes dos trinta vai morrer, e se pergunta: "Por que o tempo é tão cruel? Por que não podemos ser jovens para sempre? Inconsequentes para sempre?" (pg48). Aqui entra toda a questão do culto à juventude da sociedade, que tem medo de envelhecer e não quer aparentar ter a idade avançada, e julga quem é ou parece ser velho.
Enzo também é inseguro. Ele quer ficar perto de um dos seus ficantes (um hétero), quer dar espaço para fazer ele "assimilar que está apaixonado por um cara. Por mim. Quero te dizer essas coisas mas não sei como você vai reagir. Parte de mim acha que vai sorrir e dizer algo como 'Desculpa, cara, não dá. Não gosto de homem' e a outra me diz que é isso que você está esperando para me jogar na cama e me beijar, sabendo que estou aqui, pertencendo a você." (pg52).
O fluxo de consciência de Enzo o faz refletir sobre como o outro o enxerga: "Para onde você olha quando me vê? Você me vê?" (pg53), para logo depois sentir que a relação regrediu à estaca zero e ficar com raiva.
Outra característica da modernidade presente no livro é o namoro só para dizer que namora. Sabe a pessoa que não consegue ficar sozinha?, que termina um relacionamento e engata em outro, e termina duas semanas depois e no mesmo dia já começa a namorar com uma nova pessoa? Sabe esse lugar-comum das relações??? Pois é: a amiga de Enzo, Amanda, diz que está com o namorado apenas para matar o tempo até se apaixonar por outro, que gosta dele mas prefere "sentir esse amor pela metade a não sentir nada. O 'nada' me magoaria mais." (pg59)
E o diálogo segue com isso aqui:
Enzo: "Eu tô a fim de um hétero."
Amanda: "E ele tá afim de você?"
E: "Não. É mais um daqueles que confiam em mim, querem experimentar e eu topo."
A: "E se apaixona."
E: "E me apaixono."
Aí Amanda começa a falar que os caras com quem o Enzo sai são o sonho de consumo de toda garota, pois eles ligam no dia seguinte, buscam de carro, querem levar pra viagens, que o tratam como rei e o amam. Mas Enzo só quer o que não pode ter: gringos, héteros etc.
Ou seja, mesmo Enzo tendo "os caras mais incríveis" disponíveis, ele só deseja quem está indisponível. Uma variação do complexo do vira-lata?, complexo da inferioridade?, síndrome de insuficiência tão característica dos LGBTs? caras, eu odeio estudar psicologia porque vem tudo isso na minha cabeça ao mesmo tempo, e (quase)tudo se encaixa na minha vida q eu só consigo pensar no meme "dança gatilho, dança" mas o gatilho tá fazendo el paso de anitta 24 horas seguidas
E acabando esse meu TedTalks, queria falar da estrutura do livro, que é bem interessante. Mistura um fluxo de pensamentos, ora mais frenético, ora mais brando; com uma narrativa mais linear de causa e efeito. Tem saltos temporais abruptos, que às vezes funcionam, às vezes não (tipo, Enzo tá em casa e na linha seguinte tá numa festa, e três linhas depois tá se pegando com alguém: ótima forma de mostrar que teve bebida e droga até entalar o c*; mas um salto de um mês muito significativo pro final da história ser resumido a quatro páginas, com o que é relevante acontecendo em 2: podia ter desenvolvido melhor, mas não achei ruim.
Gostei muito da mensagem final da história, é bem importante o que o autor faz para dar uma esperança (se é que essa é a palavra mais certa) para quem for ler e se identificar com a vida de Enzo.
Só me incomoda um pouco a frase final. Em termos de efeito dramático ela é ótima. Mas eu não acho que seja a mais apropriada para fechar o arco do Enzo, porque ele demora o livro inteiro para se encontrar e resolver seu problema, aí a última frase, aquela responsável pelo sentimento final que fica com o leitor, é uma frase que cita outra pessoa, sendo que a penúltima frase se refere ao próprio Enzo. [[vou colocas as frases no final da resenha]]
Em resumo, o livro é muito bom, é um retrato bem fiel da vivência de várias pessoas e traz muito material para refletir. Link da petição pras escolas comunistas do futuro governo Lula terem esse como livro didático para ensinar ideologia de gênero