Amanda 15/01/2019DetesteiRevival já começa com uma prerrogativa grandiosa: uma singela homenagem aos maiores autores do terror clássico, como H. P. Lovecraft, Mary Shelley, Shirley Jackson e outros. Não é difícil comprar a ideia de Stephen King e partir para uma leitura com as maiores expectativas. É engraçado, inclusive, como funciona a minha relação com os títulos do autor. Quando menos espero, é quando ele mais me surpreende. O inverso também se provou verdade, porque Revival foi uma das experiências mais fracas que já tive com o mestre do terror.
“Não está morto o que pode em eterno jazer
Em estranhos éons, mesmo a morte pode morrer.”
H. P. Lovecraft
Revival conta a história de Jamie Morton e o acompanha por toda a sua vida, desde a primeira infância até a velhice, com a narração do próprio. Jamie vem de uma cidadezinha do interior do Maine (típico), um dos cinco filhos de uma família grande e tradicional. Logo no começo, Jamie conhece o Reverendo Jacobs e ali começa uma ligação que se perpetua por toda a história.
Os problemas da narrativa começam justamente nesse ponto. A ideia de uma conexão predestinada com Jacobs, um elo indissolúvel, seria interessante se a vida de Jamie não fosse tão minuciosamente e tão demoradamente descrita. Mais de sessenta por cento do livro dedica-se exclusivamente a tratar das transições de idade, das reuniões familiares, relacionamentos, carreira etc de Jamie. O livro é cozido em banho maria e quase nada acontece por páginas a fio. Mesmo com tudo isso servindo para contextualizar e aprofundar o personagem, que, por sinal, é sim cativante, Jamie não convence o suficiente para exigir tanto espaço e tempo do leitor.
Como protagonista do King, conhecido por seus personagens vívidos e super problemáticos, Jamie apresenta uma linearidade muito pouco característica. Não havendo nada de memorável ou muito interessante, resta apenas a simpatia por um mocinho “gente boa”. De outro lado, porém seguindo o mesmo fluxo, o antagonista também não agrega muito, passando batido por outros tantos vilões muitíssimo mais interessantes do autor. É fácil perceber sintomas muito clichês no personagem. Nada surpreendentes, portanto, os personagens (que costumam ser um grande trunfo do Stephen King) não são ruins, porém estão longe de serem realmente bons.
A fixação do Reverendo Jacobs pela eletricidade é o que movimenta – razoavelmente – a trama, cheia de experimentos e curas “milagrosas” através de forças misteriosas e muito mais poderosas que se imagina. É essa eletricidade que permeia e assombra a vida de Jamie, e alguns elementos narrativos utilizados são muito interessantes, como os efeitos colaterais das curas realizadas. King se aproveita de momentos de marasmo (acho que essa palavra inclusive define o ritmo da leitura) para atacar com trechos absolutamente sombrios e agoniantes, mas passado o impacto nos vemos de volta à mesma narrativa arrastada.
E, apesar de eu detestar fazer isso, vocês vão precisar me perdoar, eu preciso dizer o quanto o final me decepcionou. Esse foi, inclusive, um dos fatores que mais abaixou a minha avaliação geral. Apesar de tudo ser bem amarrado, até porque estamos falando de um dos maiores contadores de história da atualidade e o talento do King é indiscutível, a impressão que fica é a de um filme B de terror muito trash.
Eu gostaria muito de ter coisas melhores a falar sobre Revival. Eu quis ler esse livro por muito tempo, mas a cada página o desconforto só crescia. Mas está tudo bem, porque nem sempre acertamos na escolha da leitura, e nem sempre o mestre King acerta também. Revival é um livro correto, sem defeitos aparentes além da morosidade, porém profundamente batido e desinteressante. Infelizmente, deixou a desejar.
“Quando alguém fala de riscos aceitáveis, a pergunta que cabe é: ‘Aceitáveis para quem?’”.
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