Luan Queiroz 23/06/2016
Quando eu tiver, aí sim eu vou ser feliz.
Quando estou em uma situação de stress ou de intenso nervosismo, me imagino nadando em uma piscina olímpica. Nunca havia revelado isso para ninguém, é verdade. Quando estou em uma situação de stress ou de intenso nervosismo, me imagino quebrando as águas tranquilas de uma piscina olímpica ou simplesmente mergulhando no cloro, sendo encoberto docemente pelo calor da água que me cerca. Que lembrança maravilhosa, meu Deus, a da piscina!
Em Luxúria, romance de Fernando Bonassi, porém, a piscina representará para o protagonista (o homem sem nome de que trata este relato) e sua família (a esposa, o filho, o vira lata – os dois primeiros também desnomeados; só o cachorro, Thor, é que tem direito à identidade nessa fábula contemporânea construída por Bonassi), tudo menos tranquilidade. Impulsionado pela abertura de crédito e pela ascensão da classe C, que caracterizaram o nosso recente momento histórico, o nosso protagonista resolve que a construção de uma piscina no quintal pode representar a solução para todos os seus problemas: a piscina animará a esposa apática e submissa, ele pensa; a piscina trará de volta a relação do pai com o problemático filho pré-adolescente, ele pensa; a piscina nos obrigará a descartar esse cachorro asqueroso e doente que ainda ocupa o nosso quintal, ele pensa; a piscina nos dará amigos, os vizinhos ficarão com inveja, ele pensa. Pensa errado, no entanto. A piscina, símbolo da busca desenfreada de nossa classe média por status, só traz problemas. Mesmo antes de ser construída, metaforicamente ela já afoga o homem de que trata este relato em dívidas, em dramas familiares, em provações.
Em tom muito desesperançoso e irônico, o narrador nos lança em um romance que poderia muito bem ser lido como uma crônica ou uma notícia de jornal. É, afinal, uma impressão da realidade cotidiana que se estampa em Luxúria, como admite o próprio Bonassi ainda na dedicatória do livro: “Baseado em pessoas e acontecimentos reais, lamentavelmente”. O não-nomear os personagens da história pode, inclusive, nos dar uma sensação imediata (e incomoda) de identificação com as situações que estão sendo vividas pelos confusos e perdidos homens e mulheres que passeiam pelo livro.
Essa forte conexão com o que vemos nas ruas, com o que lemos e assistimos nos jornais, com o que nos contam, me parece também condizente com aquilo que a teórica argentina Josefina Ludmer vai tratar ao comentar uma série de produções do contemporâneo: “a saída da ficção”, ou seja, essa construção de narrativas literárias que se caracterizam, na verdade, por um contato muito próximo às problemáticas políticas, econômicas e sociais de nosso tempo. Nessa medida, Luxúria faria parte do que Ludmer chama de “literatura pós autônoma”, a literatura que é a própria realidade. No caso de Luxúria, e fazendo coro a Bonassi, lamentavelmente.