Lucio 20/01/2011
uma propaganda ateísta..
Tenho, antes de postar um resumo do livro, que dizer algumas, fazer algumas observações. Farei considerações, postarei o resumo e por fim lançarei algumas objeções a d'Arcais.
CONSIDERAÇÕES
Bom, primeiro que o livro é mito enganoso, pois o debate não entra no mérito da questão. Debate-se a perspectiva da Igreja primitiva em relação à fé e razão [vitória para Ratzinger_aliás, um dos grandes pontos fracos dos ateus é a tentativa de debater bíblia e teologia com teólogos...]; debate-se a ética da ICAR [vitória para d'Arcais_ o compromisso de Ratzinger à infabilidade papal, e afins, o deixou com 'saia justa']; debate-se (aliás, de maneira muito sucinta) a epistemologia da ética... e só [trucado]!
O livro consta com um breve artigo de Ratzinger de introdução e bem maior (mais de 3x) artigo de Flores d'Arcais no final, onde este último finalmente apresenta argumentos diretos à pergunta que o título do livro faz.
Pra mim, o livro parece mais uma propaganda do ateísmo, dado que não apresenta uma argumentação positiva em relação à questão, e dá muito mais espaço para d'Arcais.
RESUMO
O livro começa com algumas (poucas) páginas em que Ratzinger trás à luz um apanhado histórico, tentando mostrar como, para o cristianismo primitivo, fé e razão não eram inimigas. Ele também mostra que o cristianismo ergueu-se como uma síntese entre o supra sumo da filosofia (encontrada nos gregos) e o supra sumo da religião (encontrada nos Judeus), e como essa proposta, aliáda à uma 'éthos' confessional e vivencial, fez do cristianismo a 'religio vera'. Ratzinger entende que racionalismo (autêntico) e cristianismo são plenamente compatíveis. Então Ratzinger começa a mostrar como o racionalismo pendeu para uma espécie de agnosticismo/relativismo. Ele cita também a história do 'fim da metafísica', e responde a tudo isso com um argumento muito parecido com um pressuposicionalismo, onde ele observa que ou pressupomos a primazia da razão ou não podemos confiar na mesma, visto que esta seria o subproduto do irracional.
Ratzinger também observa que o naturalismo (aqui cunhado como darwinismo) falha não só epistemologicamente, como em pautar uma ética.
No debate eles começam discutindo sobre a posição dos primeiros cristãos, inclusive dos hagiógrafos, sobre a relação de fé e razão, e Ratzinger se sai muito bem mostrando que tanto a fé cristã primitiva valorizava a razão quanto admitia que haviam coisas que superavam nossa compreensão (como o Deus auto-suficiente se entregar à dor por nós). Ratzinger se sai muito bem na análise bíblica! Ficou um pouco confuso Ratzinger considerar inescrutável à razão as questões concernentes à deidade e à ressurreição de Cristo (ele não conhece a apologética histórica?!). Vale observar que Ratzinger se defende muito bem dos ataques de d'Arcais contra Pascal (pelo menos em alguns aspectos). Mas então, chega um ponto muito delicado para Ratzinger, onde d'Arcais aponta (ajudado pelo mediador Lerner) a questão dos pecados da ICAR no passado e o reconhecimento atual de muitos deles. d'Arcais chega a se perguntar se o mesmo não aconteceria com erros atuais, colocando a ICAR num barco relativista. d'Arcais ainda, complementando, aponta algumas questões intrigantes sobre os papas. O apego de Ratzinger à infabilidade papal o colocou em 'péssimos' lençois, e nessa parte d'Arcais se deu melhor (a ponto de Ratzinger lançar mão de várias esquivas). Num dos pontos levantados no tópico supracitado,d'Arcais coloca a questão de representandes da ICAR em uma região 'x' (na Polônia, se não me falha a memória) terem lutado contra o totalitarismo primeiro, e depois tentado implantar valores cristãos quando o totalitarismo tivera sido vencido. À isso, Ratzinger apela à questão do argumento moral, onde uma moral objetiva existe e deve ser defendida.
Começa então uma discussão sobre a validade do argumento moral, onde Flores d'Arcais argumenta 'nietzschianamente'(ou, quem sabe, 'sartrianamente'), Ratzinger retruca mostrando que o ser humano pode ir contra a sua natureza (o que explicaria fenômenos morais divergentes). No final, Lerner questiona a motivação atéica em debater, e Flores d'Arcais diz que o motivo disso é evitar a ditadura religiosa e afins. Ratzinger termina, após questionado, tentando responder sobre a necessidade dos concílios (mais precisamente sobre o Concílio Vaticano II) admitindo que eles trazem complicações, mas visam atualizar e burilar a 'Igreja'
Por fim, um artigo (diga-se de passagem muito maior que o de Ratzinger...) de Flores d'Arcais. Ele começa se questionando se a ICAR está interessado em postular a veracidade de seu credo. O que o leva a questionar é a omissão da Icar para com os debates com os ateus. D'Arcais diz que a ICAR escolhe seus 'adversários', que ela pensa que acertou as contas com o ateísmo e seus argumentos por ter o comunismo definhado. Para d'Arcais os argumentos a favor da existência de Deus (Aquino e Anselmo) estão refutados.
Paolo Flores d'Arcais, então, passa a expor de forma clássica os postulados ateístas. Ele evoca kant para refutar o argumento ontológico e a especulação transcedental; evoca Hume para rebater o argumento cosmológico atacando a causalidade "Toda relação de causa e efeito implica, de fato, que hajam existido experiências dessa relação, mas ninguém viu repetidas vezes _ nem sequer uma só _ o Grande Relojoeiro trabalhando na 'contrução' do cosmos" (2002, p. 96), além de questionar a existência de uma causa não causada e de questionar o por quê não ser o universo incausado; há uma rápida citação de Freud para explicar a (insistência na) religião no homem. Flores d'Arcais passa, então a levantar o problema do mal, descrevendo o dilema de Epicuro. Aqui d'Arcais argumenta contra o argumento da dignidade do homem em ter sua liberdade e a questão de Deus possibilitar o mal ("... quando se pretende sustentar que a possiblilidade do mal não é um mal, é necessário afirmar que a falta de liberdade - do homem - seria um mal superio a todos os males possíveis. E, portanto, a liberdade do home seria o bem supremo. O que é impossível, dado que seu exercício - a desobediência - 'cria o mal, 'é' o mal..." 2002, p. 100), e contra o argumento da justiça transcedente de Deus.
Então Flores d'Arcais passa a argumentar que a tentativa de estabelecer uma norma transcedente é uma tentativa de fugir da grander responsabilidade do homem, da maldição da sua liberdade (em termos sartrianos). Flores d'Arcais diz que nos últimos suspiros modernos de tentativa de salvar a religião, usa-se o argumento existencialista. Assim, a religião estaria viável para nos afugentar de uma realidade sem sentido. Nesse sentido, a religião se torna um produto oferecido para dar alívio existêncial. Mas para que isso ocorra ela deve ser tida como verdadeira, se não ninguém a aceitaria sabendo ser ela uma ilusão, por isso, ela precisa de ser demonstrada como verdadeira, para atender à sua função de 'tempero' existêncial. D'Arcais insiste em dizer que'credo quia absurdum' foi a postura filosófica do cristianismo primitivo, portanto, o cristianismo não pode ser um aliviador existêncial. Flores d'Arcais também argumenta contra a idéia do desafio existêncial, aparentemente argumentando que ele parte de um pressuposto ontológico ilegítimo, a perspectiva do nada: "Por que o ser e não o nada? Formular a pergunta metafísica já quer dizer pensar do ponto de vista donada. Pressupô-lo. Prejulgar o ente como (possívl) nada, quando o finito da existência é, porém, o ser indubitável sem o qual não pode ecoar nenhuma pergunta (metafísica ou não). Portanto, deve-se abandonar a pergunta metafísica justamente porque, em geral, jé existe uma pergunta (qualquer), e por isso não pode exister mais que o ser" (2002, p. 121). Flores também argumenta, teologicamente, sobre a transcedencia indizível do ser de Deus, o que o leva a conceitos ontoteológicos Barthianos, que segundo ele é o conceito que chegaremos se considerar a divindade seriamente (2002, p. 116). A partir daí ele concluí que a postura máxima que podemos ter em relação a Deus é um tipo de agnosticismo. Ele então passa a defender a viabilidade epistemológica empírico-científica (termo do autor) com posições claramente popperianas. No fim ele volta à questão do debate de o porque dessa militância ateísta. Em primeiro lugar, pelo compromisso da filosofia com a verdade (exemplificando com uma comovente história de Hume n leito de morte) e para não permitir uma ditadura legislativa da religião. Há, também, um breve comentário sobre a interação filantrópica entre crentes e não-crentes.
OBJEÇÕES
Bom, me sinto na obrigação de entitular, topificar algumas refutações a d'Arcais:
Primeiro, ele diz que a ICAR é omissa nos debates contra os ateus, e que se esquivam de responder às objeções ateístas. Não estou muito a par de debates entre católicos e ateus, mas posso me lembrar rapidamente de Coplestone e de Chesterton (ambos, até onde sei, debateram com Russel, mas não sei o resultado do debate, mas dado o fato de que os ateus omitem o fato, suspeito que os católicos ganharam...). Mas, de resto, não vejo mesmo um enganjamento católico contra o ateísmo (agora temos D'Souza; não sei se Peter Kreeft e Tacelli se engajam em debates, mas sei que buscam enfrentar as objeções ateístas).
Agora, não sei se por desonestidade ou por ignorância, d'Arcais desconsidera totalmente os grandes debatedores protestantes que, já na época do debate (2000) se engajam de maneira exímia ao debate acerca do ateísmo (podemos citar Craig, Moreland, Plantiga, Swinburne...).
D'Arcais fundamenta muito no seu artigo no (que ele considera) fato de as objeções ateístas às demonstrações racionais da veracidade do cristianismo terem sido refutadas. Aqui não há nada de novo, se não as clássicas e fracassadas objeções de Hume, Kant (a de kant contra o argumento ontológico eu considero ótima), objeções naturalistas e as mais batidas objeções contra o argumento cosmológico. Nada de novo. Mas isso é crucial para d'Arcais, e eis mais um ponto fraco deste.
Na questão da teodicéia ele se dá muito bem, de maneira que não pude responder ainda (20/01/2011) a maioria dessas objeções. Mas há algumas falhas de raciocínio, ou pelo menos questões que merecem mais consideração (talvez sejam exatamente os pontos fracos).
Quando ele está falando sobre Deus 'precisar' criar o homem com liberdade, ele questiona a liberdade de Deus. Aqui ele parece querer encontrar uma contradição entre as características ontológicas de Deus. O erro aqui é o de não considerar os 'limites' de Deus (ex.: Deus não pode criar outro Deus; Deus não pode fazer um 2 ser o presidente do Brasil... etc). Um erro clássico de quem não estuda teologia direito.
Outro erro é seu conceito Barthiano de Deus. Como nos ensina Berkhof, a parte que conhecemos do infinito conhecimento sobre Deus é real, é verdadeira. Enfim, não caberia aqui uma refutação completa do conceito barthiano de Deus, mas posso esboçá-la se alguém desejar.
Sobre o desfio existêncial também vejo falhas em d'Arcais. Como Craig aponta no capítulo 2 do livro 'Veracidade da fé cristã', esse método sartriano de dar existência à vida, empregado e sugerido por d'Arcais. d'Arcais, não passa de um faz de conta. Também não faz sentido conceber sentido às partes se o todo não faz sentido.
Há uma insistência na p. 112 de que o credo quia absurdum é a postura do cristianismo ortodoxo (questão que ele perde para o próprio Ratzinger).
Há um cabuloso equívoco ao dizer que, por Paulo e cia. crerem na veracidade de sua fé e na eminente volta de Cristo eles não estariam interessados em conquistar o mundo. O que aconteceu foi o contrário. Tal convicção os levou a pregar até os confins da terra (conhecido na época)!
Por fim, posso observar o patético otimismo para com uma epistemologia empirista e posições popperianos [estou bolando um artigo sobre isso, em breve postarei o link aqui ou até mesmo um resumo das objeções].