Ronaldo.Ruiz 28/11/2022
Em busca pelo sentido da existência
Antes de iniciar a resenha de "O Fio da Navalha", do escritor W. Somerset Maugham, gostaria de contar um pouco da minha jornada para chegar até ele.
A primeira vez que ouvi falar desse livro foi em 2013, há quase dez anos, portanto. Embalado na época pela leitura de "A Montanha Mágica", de Thomas Mann, procurei outros romances com uma pegada mais filosófica. Porém, outros livros foram entrando na minha lista de interesses e "O Fio da Navalha" acabou indo parar no fim da fila.
Recentemente, após a perda de um amigo muito querido, voltei a me interressar nele. "Quem sabe esse romance me dê respostas para as perguntas que eu ando me fazendo", pensei.
LARRY
O livro conta a história de Larry Darrel, um ex-aviador que lutou na França durante a Primeira Guerra Mundial. Ele sofre um grande trauma ao ver seu amigo morrer após este salvá-lo de um ataque de aviões inimigos. Um jovem que, até poucas horas atrás era uma pessoa tão animada, agora jazia no chão sem vida, como um velho fantoche abandonado por seu criador.
Depois de passar algum tempo nos Estados Unidos, Larry decide abandonar a vida confortável e próspera de seu país, inclusive sua noiva Isabel, para procurar respostas para suas dúvidas existenciais, entre elas: por qual motivo existe o mal no mundo?
Essa busca vai levá-lo novamente a França, depois Alemanha e Índia.
Um aspecto interessante da obra é como ela retrata a incompreensão da maioria das pessoas diante de alguém que prefere buscar sabedoria em vez de ganhar muito dinheiro, buscar prazeres, diversões e posses materiais.
Enquanto os demais personagens são atingidos por mudanças provocadas pela passagem do tempo, como crises econômicas, doenças, perda do prestígio social, mudanças de costumes e a morte de entes queridos, Larry parece sempre sereno, como se tivesse compreendido algo que explicasse tudo.
Até há um paradoxo engraçado: quanto mais ele fica desapegado de coisas materiais, mais ele parece tê-las.
HISTÓRIA REAL
Maugham se inclui na história como um personagem menor. Aliás, ele diz que os acontecimentos de "O Fio da Navalha" foram reais. As pessoas que aparecem no livro apenas tiveram seus nomes trocados. Muito do que sabemos sobre elas é contado ao próprio escritor por outros personagens em longos diálogos.
Como eu vinha da leitura de dois livros cheios de ação, demorou um pouco para me acostumar com o ritmo da obra. Há um enredo, mas as coisas acontecem devagar. Aos poucos fui me afeiçoando aos personagens e seus dramas.
(De vez em quando, também gosto e preciso descansar nas páginas de um livro.)
Na verdade, o enredo nem é tão importante assim. O mais interessante neste livro são os temas tratados nele. Apesar de alguns deles serem mais densos e o autor ser contemporâneo dos modernistas, a escrita de Maugham é clara e flui bem.
ÍNDIA E HINDUÍSMO
O capítulo 6 me marcou bastante, por retratar a Índia e falar sobre o hinduísmo, uma religião que sempre me chamou a atenção, mas da qual conheço muito pouco. Durante sua leitura, fiz pesquisas sobre lugares e divindades, o que aumentou a minha vontade de conhecer a Índia algum dia.
Nessa parte, ficamos sabendo como foi a peregrinação de Larry nesse país por meio de uma conversa entre ele e o escritor, que atravessa a madrugada em um café parisiense.
Uma das passagens mais legais acontece quando Larry se emociona diante de um busto de três cabeças com o qual ele se depara nas Grutas de Elefanta (trata-se da trindade conhecida como Trimúrti). Curiosamente, Larry reencontra lá um swami que havia conhecido em um navio e que lhe recomendou visitar o local. Ele explica que a imagem representa a Realidade Final, composta por Brama, o criador; Vichnu, o conservador; e Siva, o destruidor. Você pode até não se tornar um devoto dessa entidade, mas é preciso concordar que se trata de um belo simbolismo para a existência cíclica que envolve todas as coisas do universo.
"O Fio da Navalha" é um livro muito bom e pretendo voltar a ele no futuro. Confesso que não encontrei nele respostas conclusivas para as perguntas que me atormentam. Mas sinto que dei um passo a mais na minha busca.
site: https://marcenarialiteraria.art.blog/2022/11/28/resenha-13-o-fio-da-navalha-de-w-somerset-maugham/