Lopes 14/01/2019
| As dobras presas |
Se com Beckett podemos importar a linguagem para uma metáfora onde no centro de sua planície encontra-se diversas pontas, dobrando, assim, a própria linguagem em tantas outras dobras. Com Joyce, a partícula se torna reflexo específico da linguagem, suas mínimas estruturas rompem o todo e enclausura a ficção em demandas do moderno. Essa base matemática se predispõe em Donald Barthelme em seu gesticulado “Pai morto”. Uma ode à linguagem, à leitura, aos artistas. À arte: dando um passo adiante no descrever de uma escrita explicitamente engenhosa, que martela em diversos assuntos atrozmente, assegurando suas variante. Em Beckett, novamente, podemos referir que as dobras da linguagem foram pregadas por uma agulha, quentíssima. Em Barthelme, o que irá juntar as dobras será uma cola. Sua escrita é rasante, ácida, profundamente caleidoscópica nos tipos de assuntos e suas descrições e a junção de Wittgenstein com Maurice Maeterlinck em um universo corado de psicologia e pós-modernismo literário. O confronto moral é mortificado e extraviado, escorrendo a sangue para ressurgir numa fênix capaz de anular, por um breve período, a presença materna e capacitar nossa sistemática paternidade ficcional. Ao derrotar, pela via do desgaste sensorial dos temas abordados, o pai, matando-o antes de cada velório seu, estimula uma presença sem alinhar rostos, marcando um embaçamento que se mistura com a nitidez da narrativa cômica. Aliás, o cômico brota de forma corriqueira e transversal, que logo se adapta quando a compreensão de uma narrativa, que parece teatro, diálogos esparsos, estrutura fragmentada, se faz-se visível. Tudo que é visível predominou um dia às escondidas, precisando ser despertada. A leitura de “Pai morto”, é esse desafio interior, em que o livro não se mostra uma obra-prima, mas seu condutor, um gênio.