Yuri Ferreira 04/07/2021
Falta de coragem e personagens insuportáveis de chatos.
Ler "Tsugumi" depois de ter passado pela experiência íntima, profunda e bela de "Kitchen" é quase agonizante. Digo isso com um peso enorme, pois fiquei apaixonado pela escrita da Banana Yoshimoto depois de ler seu primeiro livro. O que é irônico, visto que "Tsugumi" tem mais cara de primeira obra que "Kitchen"; não pelos temas abordados, mas sim pelo desenvolvimento superficial de suas personagens e pelas más escolhas narrativas.
Maria, a protagonista do livro, consegue ser uma placa sinalizadora esquecida, numa curva mal iluminada de uma estrada qualquer, de tão desinteressante e simples que a personagem é; o que, de certa forma, explica o título do livro ser o nome da personagem (e talvez verdadeira protagonista da obra) que apresenta mais destaque e desenvolvimento (que às vezes tropeça um pouco na hora de fazer escolhas importantes para o fluxo da história, mas já chego nessa parte).
Enquanto em "Kitchen" Banana mostrou seu extraordinário potencial, arriscando de maneira inusitada em assuntos como morte, luto e companhia (com um toque de representatividade e comentários sociopolíticos), em "Tsugumi" ela se retrai, talvez numa tentativa de ser mais autobiográfica, olhando para si mesma, como dito no posfácio da autora. O que, de maneira alguma, seria um problema... se o livro ao menos se assumisse desse jeito. A diferença de potência e nível de escrita entre os dois livros chega a soar bizarra.
Voltando para os personagens. Maria já tem, basicamente, todos os seus problemas resolvidos. Mesmo com uma família completamente bagunçada (pai amante, mãe triste, prima bizarra), ela consegue ter TODAS as soluções narrativas já... resolvidas. Sério, não tem o que dizer da própria protagonista do livro, e muito menos dos outros personagens, que são tão caricatos e estáticos nas suas interações quanto a mesma. O único destaque vai mesmo para a Tsugumi e só porque ela é. aparentemente, um desvio dessa simplicidade preguiçosa dos outros personagens. Digo aparentemente porque, no final, a autora reprime as suas habilidades novamente para nos entregar um desfecho anticlimático; não por não ter feito tal coisa (sem spoilers aqui) com a personagem, mas porque foi completamente expositiva sem necessidade. O que talvez não seja uma surpresa, visto que durante o livro inteiro vemos essa mesma superexposição dos fatos, pensamentos e diálogos nada orgânicos dos personagens.
Esperava ousadia nas decisões importantes e encontrei um tipo de medo - parecido com o de alguém que se procura no escuro - o que me deixa mais triste do que com raiva para ser sincero.
O que resta, então, é um livro que quer ser tudo e nada ao mesmo tempo, ao invés de se entender como obra. É uma pena, pois acredito no potencial da autora.
Ainda assim, poderia ter falado sobre nostalgia, saudade e amor com a mesma intensidade e profundidade de antes. Ou talvez isso seja apenas eu tentando lembrar demais. De uma forma ou de outra, faltou coragem... para nós dois.