A dona das palavras

A dona das palavras Claudia Manzolillo




Resenhas - A dona das palavras


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Krishnamurti 02/09/2016

CONTOS QUE SE COMPLETAM
Por: Krishnamurti Góes dos Anjos
Vem do filósofo Diderot (1713-1784) a epígrafe de “Várias Histórias”, livro de Machado de Assis: “Meu amigo, façamos sempre contos. O tempo passa e o conto da vida se completa sem disso darmos conta”. Com efeito, e o conto também se completa com o correr do tempo, na cristalização do tempo.
Há dias, caiu-me às mãos “A dona das palavras”, livro de contos de Claudia Manzolillo (Editora Penalux, Guaratinguetá-SP, 2015, 108p.), e sua leitura nos remeteu, de certa forma, ao antigo filósofo. Os contos reunidos neste livro de estreia da autora na literatura são breves peças ficcionais que se apresentam ora intimistas e cheias de silêncios, ora como narrativas objetivas e irônicas e, não raro, de conteúdo impressionista com uma aura poemática. São contos de 'personagem', ou seja, que selecionam uma individualidade, em geral atormentada, para uma análise introspectiva. Todos retratam vidas femininas. São mulheres que nos saltam aos olhos, nos seduzem, puxam-nos gentilmente ou arrastam-nos para suas aventuras e desventuras. Seus abismos ou planícies seguras.
A arma de que se vale a autora (ou seriam as personagens?) nesta sedução é potente. Não abrem caminho por inteiro em um único conto; se desdobram à medida que caminhamos, que o relato prossegue. Expliquemos melhor: embora não se tratem de histórias sequenciais, a autora-narradora vai aos poucos aprimorando a sua revelação à medida que ilumina mais um instante crítico. A dicção que vinha aparente torna-se implícita. A leitura de “A mulher do tempo”, por exemplo, se nos afigura como o ponto de união entre as pontas de uma linha curva que vinha se desenhando nos cinco ou seis contos precedentes de tal forma que as impressões sugeridas se revigoram, se ampliam e se alinhavam fechando um círculo que nos transmite toda uma visão de mundo. São, afinal, instantes presentes em outros textos que retornam e terminam por atuar como epifania naquele sentido de compreender a essência de certas coisas…
Não se pense com isso que cada uma das histórias não possui aquele “singular efeito único” de que nos falou Edgar Allan Poe. O que se constata, e talvez o título da obra nos indique (A dona das palavras), é que a autora demonstra ter pleno domínio quanto a uma das essências do gênero literário conhecido como conto. Um enigma que se propõe, uma esfinge a decifrar, ou melhor, um espelho no qual se reflete e se identifica a personalidade humana.
Assim se vão encadeando os contos, explorando em pinceladas muito delicadas e tênues a estrutura da história curta; casando linguagem e inventiva de uma forma que nos faz lembrar Lygia Fagundes Telles (sobre quem a autora escreveu dissertação de mestrado em Literatura brasileira, na UFRJ), não sonega o núcleo ficcional em cada uma das suas peças que ali está, escamoteado, a princípio, para, ao final, criar o efeito que pretende sugerir. Como já afirmamos, são pontas que se entrelaçam, desenvolvendo ficcionalmente o que, de início, ficou sugerido em situações invulgares e, ao mesmo tempo, expondo os mistérios da personalidade. Percepção dos criadores literários exercida com firmeza.
Entretanto, o compromisso com o ficcionismo não impede Claudia Manzolillo de fazer paralelamente arte social. Há contos em que elementos psicológicos e sociológicos se entrosam e aparecem mais por sugestão do que por afirmação (como não se emocionar profundamente com a mulher pobre, deserdada, sem outros horizontes, que leva a vida a lavar e a passar? Quanta metáfora do sofrimento humano se expressa naquele conto? - “Lava que passa!”. Ou o que pensarmos da verdadeira sublimação que ocorre em “Pietà”? Nas duas situações específicas, a prosa, em vez de reproduzir banalmente a vida, tira significado da vida. Literatura se faz com o desfiar de emoções, como diria o escritor e crítico Hélio Pólvora.
Pois bem: em “A dona das palavras”, Claudia Manzolillo combina técnica e talento para desnudar consciências e descerrar corações, de modo a iluminar a experiência humana da qual seu livro é pleno.
“Os olhos pendiam e, cansados, não queriam mais nada senão ficar quietos, deixarem-se apenas na quietude dos bons, dos que não magoam. Mas ela estava só com o seu coração grande e azul em suas mãos”.
“A mulher de azul”. p.49.
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Penalux 14/11/2017

“Dona das palavras” é a obra de Cláudia Manzolillo. Neste livro a protagonista mulher é desdobrada em todas as suas possibilidades de existência, seja na mulher costureira, que entrega sua essência ao ofício, ou seja na mulher armada contra as barreiras das dores do amor.
A prosa de Cláudia é poética, o que traz como característica à sua obra um caráter propositalmente ambíguo, pois a mesma medida na qual a história pode ser interpretada com firmes pés de realidade, é impossível não se varrer para as alegorias de sua escrita lírica.
No livro, a mulher é a personagem principal, não nomeada, universalizada. Na obra, o feminino apresenta-se enquanto arquétipo de força, de sentimentos, mas também como cicatriz vindas das diversas injustiças forçosamente impostas a elas, pelo caráter social machista. As histórias destas mulheres, que pela potencialidade do enredo, já se fazem surpreendentes, reforçam-se em sua força de comoção, pela maneira com a qual a lírica é desenvolvida.
Os diferentes caracteres sociais são construídos, a mulher empregada das madames, ou a exótica criatura apreciadora das vestes pretas. As cores são vinculadas com as personagens, como se a personalidade de cada mulher, pudesse aproximar-se e intimar com as sensações despertas no espectro das cores. Os contos são curtos, mas permitem o contato com as várias esferas do ser mulher, pela diversidade temática tão bem explorada nas diferentes possibilidades de se existir enquanto feminino.
A lírica de Cláudia, tão sutil quanto o ser mulher, casa-se delicadamente com a sutileza do tema, mas não deixa faltar nenhuma denúncia necessária, pois ser mulher é também carregar o passado histórico e isto a prosa-poética de Cláudia impecavelmente explora, trazendo a miscelânea dos modos de existir enquanto mulher.
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