Nelson 25/07/2017
Cyber Cultura
Lançada em formato digital no ano de 2015, Brasil Cyberpunk 2115 é uma noveleta da autoria de Rodrigo Assis Mesquita, que também é membro e colunista do Clube de Autores de Fantasia e podcaster no Curta Ficção.
Como em qualquer cyberpunk com tom de paródia, a comparação com Snow Crash (Nevasca), de Neal Stephenson, é inevitável. Mas nesse caso temos outro elemento que une esses dois universos: a pizza, ou pit-sah. Enquanto Hiro Protagonist entrega pizzas para a máfia, no universo de Brasil Cyberpunk 2115, ela é um produto já extinto, uma relíquia da culinária.
Os personagens não se aprofundam em dramas pesados, atendendo a expectativa de uma obra humorística, porém conservando traços próprios bem definidos, até porque são bastante diferentes entre si. Apenas Hel, a protagonista, tem um destaque sobre seu passado, que a joga em questionamentos sobre sua identidade, fato que acaba fazendo parte de um gancho para uma continuação. Cauã também chama atenção pela quantidade de gadgets em seu corpo, ao melhor estilo Inspetor Bugiganga.
O conflito da trama surge apenas lá pela metade da história. Enquanto isso, o autor apresenta algumas nuances de Hel, de seus amigos, do worldbuilding e alguns pequenos eventos. Também há uma linguagem corporativa espalhada discretamente pelo texto, auxiliando na ambientação.
No quesito tecnológico, algumas escolhas se encaixaram bem dentro do tom escolhido, como a “tomada de sete pinos”, por exemplo. Levando em consideração que é uma obra recheada de humor, a tecnologia ficar um pouco de lado não é incômodo algum. Ainda assim, senti falta de um pouco mais de explicações sobre os androides, que parecem ser importantes dentro dessa sociedade, mas acabaram sendo pouco explorados.
Assim como as tecnologias, os processos de transformações geopolíticas são abordados com certa leveza. Para uma noveleta, o resultado me pareceu bastante adequado. Eles são apresentados ora como explicações do narrador, ora se fazendo perceber sozinhos durante a leitura. Esse equilíbrio me agradou, pois não ficou didático, nem alongado em tentativas de show, don’t tell. Entretanto, senti falta de uma exploração maior dos fatos que, segundo a sinopse, devastaram o Brasil.
A linguagem de Rodrigo tem um estilo próprio. Brincando com palavras, termos e conceitos, ele faz piadas que se integram bem a trama. “Amelhoramentos”, “Corporação Militar” e “Grande Engarrafamento” são bons exemplos disso. Sua escrita é tão acessível, que se torna uma boa recomendação aos leitores ainda não afeiçoados com a ficção científica.
Algumas coisas não ficam claras até o final. A exploração espacial é citada diversas vezes, mas o autor não entrega muitos detalhes sobre ela, deixando aqui também outro gancho para o futuro de Hel, que sonha em se mudar do planeta. A questão dos 'amelhoramentos' é por vezes criminalizada, mas quase todos personagens parecem ter algum. A própria presença de Hel na missão gera algum questionamento. Contudo, não acredito que a intenção do autor fosse manter a coerência acima do entretenimento, igualmente Neal Stephenson realizou em Snow Crash.
A arte de capa é de Gaby Firmo de Freitas. Retratando uma metrópole em uma noite de chuva, ela captou o espírito clássico do cyberpunk de forma agradável. Para uma produção independente, é um e-book para ninguém botar defeito.
Minha preferência por um conteúdo sério dentro da literatura cyberpunk, não me impediu de aproveitar a leitura. Em algumas resenhas pela Internet, pude notar que o livro foi bem recebido, mas também vi indicações de que a curta extensão da obra seria um ponto negativo. Entretanto, de forma alguma isso seria negativo! O trunfo de Brasil Cyberpunk 2115 está justamente em se fazer valer de seu tamanho, evitando detalhes e subtramas que poderiam vir a descaracterizar um plot tão simples quanto a missão de fazer uma pit-sah. Além de que histórias curtas são boas maneiras de se conhecer um autor novo. Em minha opinião, Rodrigo A. Mesquita acertou em cheio.
site: https://cyberculturabr.wordpress.com/2017/06/09/brasil-cyberpunk-2115-voce-nao-pode-ter-tudo-o-que-quer/