Diários da Presidência

Diários da Presidência Fernando Henrique Cardoso




Resenhas - Diários da Presidência


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Lucas 16/03/2023

Reflexivo, colossal e informativo: os primeiros meses de Fernando Henrique Cardoso na presidência do Brasil
Eleito presidente da República Federativa do Brasil em 1994, o carioca (que, no entanto, viveu desde os nove anos de idade em São Paulo) Fernando Henrique Cardoso (1931-) foi o mais acadêmico dos líderes do Brasil republicano. A afirmação pode ser pomposa em excesso, realmente, mas a análise das biografias de todos os presidentes brasileiros naturalmente acaba reforçando essa percepção: sociólogo, cientista político, professor e escritor, FHC jamais conseguiu (felizmente) se desapegar de uma imagem professoral que o acompanha com mais evidência nos últimos trinta anos.

Dessa maneira, seria muito claro que o seu período na presidência (oito anos, de 1995 a 2002, sendo até hoje o único presidente desde a redemocratização eleito e reeleito sem nunca precisar disputar um 2º turno eleitoral) fosse suficiente para que este olhar acadêmico e político se direcionasse para todas as complexidades inerentes ao cargo de presidente da maior nação da América Latina. Sabendo disso e incentivado por terceiros, já no final de 1994 FHC toma uma decisão: registrar por meio de gravadores os seus dias na presidência. O resultado de tais gravações (que inicialmente deveriam comportar quatro anos, mas que acabaram abrangendo oito) gerou quatro incríveis calhamaços, lançados pela Companhia das Letras entre 2015 e 2019. De forma linear, seguindo essa roteirização cronológica, o primeiro desses livros comporta os seus primeiros meses na presidência, mais precisamente os anos de 1995 e 1996.

Como a história mostra, Fernando Henrique Cardoso ficou pouco mais de dez meses entre 1993 e 1994 como Ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco (1930-2011). Foi o suficiente para que ele, junto a uma equipe de economistas como Pérsio Arida, Pedro Malan, Armínio Fraga e outros (estes três foram os mais conhecidos eu diria, e estiveram no posterior governo FHC) dessem fim a um pesadelo brasileiro: a hiperinflação, que chegou há mais de 2.000% ao ano no final de 1992. O chamado Plano Real, que instituiu a moeda brasileira atual, regulou o poder de compra, estabeleceu parâmetros para a desindexação da economia, dentre outras medidas, acabou com uma série de planos econômicos fracassados e foi indubitavelmente o grande trampolim do salto político de FHC, a qual acabou lhe garantindo suas duas eleições.

Isto tudo está registrado na historia e nos noticiários da época. E já partindo para uma análise desse primeiro Diários da Presidência (lançado em 2015), é importante observar que todos os livros da série são essencialmente diários em seu sentido mais explícito. Acabam se tornando documentos históricos porque oferecem uma perspectiva nova dos acontecimentos de natureza macrogovernamental de dentro do exercício da presidência. E neste aspecto, salvo os diários que Getúlio Vargas escreveu entre 1930 e 1942 (e que são mencionados por FHC em vários momentos e as quais existem ainda hoje especialmente em sebos), não há precedentes na história da presidência da república.

Os Diários da Presidência de Fernando Henrique Cardoso vão fundo nos bastidores e no cotidiano de uma autoridade máxima do Brasil, um cotidiano que por vezes difere radicalmente daquele que é noticiado ou que aparenta ser. Desnuda não apenas esse sentido "cerimonial" do cargo (e a qual sofreu sérios abalos nos últimos tempos), mas também uma série quase infinita de outros aspectos inter-relacionados. Os desabafos de FHC ilustram esta complexidade e o inconformismo de um homem acadêmico, com uma mentalidade voltada para os fins e resultados em função disso, mas que teve que se adaptar ainda mais (ele já tinha sido senador) a um sistema engessado, por vezes confuso e que obriga o ocupante do cargo máximo da república a viver num dilema constante: praticamente todas as decisões por ele tomadas trazem benefícios a uns e malefícios a outros. Resta, como se isso fosse simples, executar o projeto proposto e negociar interesses em cima destas consequências por vezes antagônicas.

Mas no Brasil nós sabemos que a coisa, que já não é simples por natureza, fica ainda mais complicada. Não necessariamente por causa da famigerada corrupção, mas por uma pressão política enorme derivada da dependência do Executivo de um Legislativo formado por interesses antagônicos e não totalmente revestidos de ética e preocupação com o bem coletivo. Neste sentido, o presidente FHC assistiu da presidência a formação de uma pluralidade política que assombra e revolta a opinião pública da atualidade: o chamado "centrão", que na época era composto por partidos como o PPB (gerido pelo paulista Paulo Maluf e que atualmente é conhecido como Progressistas), o PFL (que tinha na época como cacique o já falecido baiano Antonio Carlos Magalhães e a qual hoje se estende pelo União Brasil e PSD) e o já conhecido PMDB (atual MDB, cujo maior influente da época era o ex-presidente e senador maranhense José Sarney). Estes três partidos, junto ao PSDB de FHC, eram a base do governo.

Antes mesmo de serem conhecidos com esta alcunha de "centrão", esses grupos políticos eram quem acabavam controlando tanto o Senado quanto a Câmara. Mas ao indisporem de um nome com a força política de FHC, acabavam se unindo em torno da maior parte das matérias do governo. E os dois primeiros anos de FHC foram agitados: o real, ainda jovem e descobrindo seu lugar até mesmo no cenário internacional, passava pelos primeiros testes inflacionários. Era um trabalho muito meticuloso da equipe econômica para que a moeda fosse consolidada, com a utilização, dentre outros artifícios, da ampliação de bases de desindexação de uma economia cronicamente marcada por uma inflação galopante de praticamente uma década. E este processo de desindexação, que trocando em miúdos visava manter salários (públicos, essencialmente) em níveis de estabilidade, gerava muitos atritos na classe política, especialmente na oposição. Este aspecto e a chamada banda cambial, que visava determinar níveis aceitáveis de precificação do real frente ao dólar, foram a tônica do primeiro ano de governo de FHC. E tudo isso inserido num contexto do nascimento efetivo da globalização, que aproximava e integrava mercados de uma forma até então não vista ou não explorada pelos tomadores de decisão mais importantes do planeta.

Com a consolidação da moeda brasileira, o governo dava os primeiros passos em torno daquilo que foi a grande marca de FHC (marca esta por vezes tornada caricatural pela oposição): as privatizações. Aqui, chega a surpreender a visão mais cética que a presidência tinha desse tema tão sensível (Fernando Henrique via, por exemplo, com muitas reservas a privatização da Companhia Vale do Rio Doce), associada também a crise bancária que quebrou vários bancos brasileiros, como o Banco Nacional (de Minas Gerais), Banespa (de São Paulo, posteriormente adquirido pelo Santander), o Banco Econômico (da Bahia, que teve a falência decretada) e o Bamerindus (do Paraná, que depois foi incorporado pelo HSBC). Fica claro, apesar de FHC não ter dito isso explicitamente em nenhum momento, que o frequente socorro que o Tesouro prestava a estas entidades, as quais não souberam lidar com o fim da inflação galopante, atrasou o processo de privatizações, além de desgastar a máquina política do governo. Este tópico das privatizações ficou mais explícito para 1997 (ou no segundo volume dos diários).

Apesar disso, os primeiros dois anos de FHC na presidência foram aqueles onde ele mais gozou de prestígio, tanto politicamente quanto pela população. Isso tudo considerando o auge dos movimentos sociais derivados da questão agrária, especialmente o Movimento dos Sem Terra (a reforma agrária e suas dificuldades protagoniza parte importante dos relatos desse primeiro volume). Também merece destaque a busca incessante pelas reformas estruturais brasileiras, como a da previdência, tributária e administrativa. Por mais que ainda hoje o Brasil discuta estas mesmas reformas, nestes primeiros anos de FHC na presidência houveram alguns avanços importantes, especialmente em matéria tributária, as quais repercutem ainda hoje na realidade das empresas do país (os fundamentos do ICMS, através da Lei Kandir, e o regulamento fundamental do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas vêm desse período). Depois, veio a polêmica emenda da reeleição, as privatizações e as várias crises internacionais (como a da Rússia em 1999 e a da Argentina em 2001) que marcaram em especial seu segundo mandato. Para quem gosta de política, os outros volumes dos diários prometem muito, portanto.

Este primeiro contato com as memórias presidenciais de FHC remonta a um passado onde os ódios políticos não eram tão exacerbados. Não era incomum, por exemplo, que o presidente recebesse líderes da oposição, como os deputados petistas José Dirceu e José Genoino. Seria como se atualmente o presidente Lula recebesse em audiência a deputada paulista Carla Zambelli, algo que hoje soa surreal em qualquer multiverso imaginável. Obviamente que não eram reuniões as quais ambas as partes saíam adorando-se, mas traziam consigo um senso de reserva política e busca de entendimento que está absolutamente em desuso no Brasil da última década.

Estes aspectos e outros similares oferecem perspectivas fascinantes de como funciona o poder "por dentro" no Brasil, através do olhar de um homem que tinha um grande senso de estadismo e de conhecimento da significância do cargo. O texto, que deriva das gravações de sua voz, é bruto e não possui nenhum tipo de adaptação para soar melhor, é quase que totalmente uma reprodução escrita das fitas. Mesmo assim, soa bem e se o livro cansa (isso é inevitável) é por causa da monotonia de alguns períodos (especialmente durante os últimos meses de 1996) e não por causa das suas reflexões. Minha ressalva é apenas com relação ao escopo de suas ações: FHC fala e fez muito pela economia, soube diferenciar como ninguém o Estado e o Governo, sua gestão foi marcada por dificuldades não criadas por ele, não mede palavras para julgar aliados e opositores (incrível como nestes julgamentos particulares apareciam nomes ainda hoje presentes nos pontos obscuros da política atual), demonstra uma grande capacidade para ação, mas faltou falar mais da miséria, muito presente no Brasil naquela época (mais do que hoje, eu diria). Os avanços sociais provocados pelo Plano Real,com exceção do controle da inflação, demoraram a chegar a quem mais precisava e o ótimo olhar de sociólogo do "autor" poderia ser direcionado para a questão da distribuição de renda, por exemplo, seja para discutir seus efeitos ou as ações governamentais nesse campo. Havia sim um trabalho social interessante, coordenado pela primeira-dama Ruth Cardoso (1930-2008), mas senti falta de um foco mais profundo neste segmento. Vamos ver se isso muda nos próximos volumes.

Diários da Presidência: 1995-1996 dá início a um projeto robusto e ousado. Um livro excelente, mas com a tal excelência bem restrita: amantes de história política, que gostam de economia e de estudar a política brasileira nos insanos anos 90 são o público que mais bem irá aproveitar os apontamentos de FHC. Aliado a isso, é bem necessário que o leitor tenha uma compreensão relativa de alguns personagens políticos da época (a editora podia inserir um índice com algumas personalidades políticas, especialmente os (as) ministros (as)). Mas curiosidade, uma pitada de paciência (especialmente para quem não gosta de monotonia num livro) e veia jornalística são ingredientes fundamentais, mais do que os anteriores, que farão da leitura desta primeira parte dos diários de FHC na presidência algo excepcional.
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Jhon 22/11/2022

Dia a dia de um dos melhores presidentes do Brasil
Esse primeiro volume dos diários do FHC é uma leitura fascinante e desafiadora.

O diário dos 2 primeiros anos da presidência revela uma rotina longa, cansativa, e muitas vezes absolutamente repetitiva. Entre despachos e audiências intermináveis a políticos e personalidades brasileiras e internacionais, o presidente nos guia numa viagem imersiva às entranhas da vida política brasileira, as negociações, as intrigas e futricas nos corredores do poder.

Ao contrário do que muita gente pensa a vida do presidente não é só flores. Rotina repetitiva, dias intermináveis e sacrifícios enormes na vida pessoal.

Nesse diário FHC revela o quão paciente foi com todos os que estavam ao seu redor, além de sempre tentar ser conciliador com a oposição e com um ex-presidente invejoso.

Tudo enquanto lida com os sacrifícios feitos pela própria família e com o sentimento de solidão naquele palácio enorme.

O livro em si é uma leitura cansativa e desafiadora. É um diário, não uma história roteirizada, então não tem ritmo ou estrutura. Dia após dia de registros de encontros, viagens, conversas e pensamentos do presidente. Páginas e páginas de registros de uma rotina repetitiva que acabam elas próprias se tornando repetitivas.

Mas é uma leitura excelente, que recomendo muito, como registro histórico e como uma janela para a rotina do poder e a cabeça do mandatário da nação.
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joaoggur 29/01/2022

Por favor, só não privatiza esse diário.
Nesse compilado de diários e registros, acompanhamos os dois primeiros anos de governo de Fernando Henrique Cardoso como morador do palácio do alvorada. Sempre citando todos os fatos com uma clareza ímpar, o ex presidente não tem barreiras para citar os seus sentimentos e desejos em relação à política brasileira.

Sinto que todos os presidentes deveriam deixar um legado fazendo e publicando diários como esses. Infelizmente vivemos em um país onde a corrupção e a desonestidade reinam, e é de extrema ingenuidade acreditar em tudo que políticos falam da boca para fora. Temos aqui um registro recheado de informações, e não que isso prove a honestidade de alguém, porém da mais credibilidade a um ex-presidente, coisa que no Brasil atual é quase como um milagre.

?O Congresso é hoje um conjunto de pessoas que representam interesses fragmentários. Como se renovou pela metade, os eleitos chegam aqui quase como em 88, com aquele ânimo de participar, de refazer tudo, uma espécie de rebeldia, e não se dão conta de que a participação do Congresso na definição das políticas é muito modesta?, até hoje, ex- presidente!
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Eduardo 12/07/2021

Documento Histórico Relevante
Muito interessante como material histórico para conhecer nosso sistema político. Senti lucidez e sinceridade nas falas do Presidente e apesar de não concordar com algumas medidas do seu governo, respeito o republicanismo que demonstra em suas posições. Senti que o Presidente aos poucos foi sendo engolido pelo sistema, mas teve ciência do que estava ocorrendo e verificou quando poderia tomar medidas mais duras, constatando que cabia mais a ele entender e se adequar, buscando pequenas revoluções, do que tomar direções bruscas. Tive alguns problemas na leitura com questões tecnicas de economia principalmente, além de muitos personagens que precisava pesquisar melhor sobre, emperrando a leitura. No mais, recomendo fortemente para quem gosta de política. Passei a simpatizar mais com FHC, o que imaginei que aconteceria pela proximidade que os relatos trazem, fato que não sei se foi agravado também pela falta de políticos republicanos nesse momento do nosso país.
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LisboaPB 03/11/2020

Importantíssimo termos estes registros. Todo presidente que deseja mostrar transparência deveria ao menos publicar um diário com seus feitos e pensamentos para que o povo tenha mais conhecimento de seus posicionamentos em momentos delicados. FHC mostra isso bem e a partir desse livro conheço a personalidade dele: uma pessoa ambiciosa, estudiosa e dialogadora. Mas por outro lado uma pessoa que se conectou com a velha política e sem motivação para mudar de fato o Brasil.
Matheus 19/06/2021minha estante
FHC deixou o Brasil preparado para o século XXI, modernizou o país institucionalmente.


Edson408 07/02/2024minha estante
Pra funcionar é preciso ceder favores.




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