Greice Negrini 05/03/2016Uma obra para refletir!Antônio Silva não conheceu a mãe, uma adolescente que morreu no momento do parto. O pai, um traficante, também foi assassinado logo em seguida para vingar a morte da mãe do menino. A única pessoa que restava na vida do recém nascido e que desejava agora ficar com ele era seu tio Claudemir que, mesmo sem muitas condições, aceitou criá-lo com amor e carinho. Mas isto não foi por muito tempo. Aos cinco anos uma tragédia deixou o menino totalmente sozinho na vida e de lá ele foi colocado em um orfanato.
Quem não conhece muito os orfanatos do governo pode achar que tudo é maravilhoso, mas não foi assim com o pequeno Antônio. A vida dele foi um golpe de azar e para sobreviver em um lugar deste precisava ser esperto, brigar para impor um lugar ao sol e não virar escravo de outros internos. Aos dez anos de idade já era alto e parecia mais velho e em uma oportunidade de passar a noite de Natal fora de casa, com voluntários, o que o garoto fez foi além dos limites: uma tentativa de roubo que agora o caracterizava como um bandido. Afinal, para Antônio, agora denominado Pitbull, a vida não tinha sentido.
Quando completou doze anos ele já se tornou um inferno e todos o temiam. O jeito mais fácil agora era fazer com que ou fugisse do orfanato ou sumissem com ele. E foi assim, em um dia, seguindo ordens de algumas pessoas para ir até a Cracolândia, que Pitbull nunca mais voltou àquele lugar onde morava. O seu lugar era nas drogas, vivendo de empregado escravo para um vendedor e quando pensava que a vida iria melhorar, só piorava cada vez mais. Até que um dia, quando acreditou poder ser resgatado, caiu em um golpe tão brutal e acabou sendo acusado de assassinato de outros jovens e foi parar em um reformatório.
Clara é uma professora universitária casada com Marcos, um professor de artes marciais. Juntos eles tem um filho que sempre os acompanha, o Matheus. Eles cuidam de uma ONG que trabalha com projetos que visam ajudar a educar e recuperar garotos infratores que estão detentos. Quando Pitbull acaba conhecendo o casal, a primeira reação é a de ódio, já que na vida nunca teve uma chance concreta de felicidade ou de fazer algo certo e mesmo que o casal tenha uma vontade de ajudá-lo, Pitbull não quer nem tentar.
Aos poucos Pitbull vai aceitando as palavras do casal e mesmo com muita dificuldade de acreditar em outras pessoas, começa a crer em um futuro melhor após completar dezoito anos e sair daquele inferno. E quando isto acontece tem a surpresa de ser adotado pelo novo casal. A partir daí começa uma nova vida para Pitbull que tentará se tornar um adulto diferente do que foi quando criança e adolescente, mas precisará enfrentar maiores desafios e aceitar que tudo sempre tem um preço.
O que falo sobre o livro?
A questão do tema de maioridade penal é um assunto que foi bastante discutido no ano passado e que continua com uma grande repercussão. A mídia mostra diariamente a questão de assaltos e infrações cometidos por menores que de uma certa forma frustam a sociedade que se sente impune e de mãos atadas, travando uma briga com a justiça e com os direitos humanos.
Este parágrafo acima é até que um bom começo para uma redação e é até um sentimento que tenho também em relação a tudo o que vejo também pela mídia. Quando comecei a ler Nocaute sabia que teria que enfrentar a questão da maioridade penal como tema e até mesmo antes disto já havia um conflito interno em minha mente sobre o caso. Afinal, o que é que ocorre de verdade?
A maioria das pessoas que vai ler esta resenha teve uma vida que pode ser considerada normal para qualquer criança: nasceu, cresceu, brincou quando devia, estudou quando devia, teve amor da família e tudo o mais. Desta forma há uma análise de que não podemos reclamar disto ou daquilo ou então há aquela famosa frase quando algo sai do contexto se alguém entra para o ramo do crime, por exemplo: "mas ele sempre teve tudo o que quis!". Pois bem, a verdade que me bateu na cara é que Nocaute repercute com uma diferença e que mesmo assim me fez repensar várias vezes.
Sempre me peguei pensando em como estes infratores deveriam ser punidos de uma forma mais severa e o fato é que se uma criança apanha durante um ano inteiro, a tendência geralmente é que passe a recorrer da força para com outra pessoa, já que foi isto que ela aprendeu. Ou então o fato de que se cresce alvo de traficantes e não tem como sair e receber boas oportunidades, o jeito é sobreviver da maneira que lhe são oferecidas as chances e geralmente o crime aproveita muito isto.
Em certos momentos de Nocaute pensava que todos tinham que ser presos, e pensava depois que tudo era uma consequência da vida, que precisavam de novas oportunidades. O livro faz com que possamos refletir sobre esta questão. Mas também há o lado de quem ajuda, de como funcionam as organizações não governamentais e que pessoas voluntárias muitas vezes fazem de tudo para salvar pessoas já corrompidas.
É fácil notar que o livro foi escrito por jornalistas, já que a trama mostra muito um texto informativo. Isto não estraga a leitura, mas parece em alguns momentos que estamos lendo um jornal e não um livro. Percebi mais esta questão no início, nos primeiros capítulos. Também percebi a incoerência na questão do linguajar de Pitbull. No início do livro ele tem uma linguagem bem informal, de uma pessoa que foi criada em orfanatos ou até mesmo nas ruas e logo em seguida já vem com diálogos sem erros ou gírias e para mim isto não é algo que se perca facilmente, fruto de uns meses de estudo.
Fora esta questão, o livro trata de assuntos bastante relevantes na análise dos dramas nacionais. Trata a vida de Pitbull sob um paradigma que vemos diariamente e nunca paramos realmente para racionalizar em um contexto geral. A leitura traz ainda trechos lindos de diálogos que engrandecem e enaltecem o real sentido da vida e da capacidade do ser humano de mudança.
Gostei também da diagramação, muito bem feita e com ótimo acabamento. Gostaria de que a capa contivesse uma visão um pouco mais profunda de Pitbull, mas de todas as formas mostra o final real da trama.
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www.amigasemulheres.com