Regis 10/04/2024
Duas formas distintas de enfrentar a mesma guerra
Essa é uma história de guerra, mais precisamente, sobre a ocupação alemã na França e como duas irmãs, com personalidades completamente distintas, lidaram com os acontecimentos cruéis e a devastação de seus mundos sendo tão diferentes.
Vianne é uma professora de vinte oito anos, casada com Antoine (um carteiro) e mãe de uma menina de oito anos chamada Sophie. Vianne se parece muito com um passarinho assustado, sempre cautelosa e morrendo de medo de encarar os acontecimentos antes que eles a obriguem a agir; sua irmã Isabelle tem dezoito anos e é completamente oposta, ela é impetuosa e ousada e possui a coragem inconsequente que apenas a juventude pode desfrutar.
Vianne e Isabelle têm uma história pregressa com a guerra, o pai delas esteve na primeira Grande Guerra e retornou completamente transformado, abandonando-as (assim que a esposa faleceu) aos cuidado de uma governanta rígida e pouco afetuosa. A rejeição e o abandono do pai impactou ambas, moldando suas vidas e suas personalidades.
A história tem início no presente, em 1995, onde acompanhamos uma mulher idosa e doente que vive no Oregon, EUA que após descobrir que está com câncer começa a relembrar sua juventude e como sobreviveu a Segunda Guerra Mundial.
Essa personagem misteriosa narra a história e, até o final, nunca nos dá pistas que indique qual das irmãs ela seria. E assim companhamos a narrativa transitar entre o presente e o passado enquanto nossa curiosidade, sobre a identidade da narradora, aumenta vertiginosamente.
No passado a narrativa transita entre Vianne e Isabelle: enquanto Vianne, após o marido ser convocado e parte da França ser ocupada pelos alemães, permanece em sua cidadezinha (Carriveau) com um Capitão Alemão (o Capitão Beck) aquartelado em sua casa, Isabelle parte para a França com o intuito de se unir à resistência e lutar contra a invasão junto aos rebeldes.
Acompanhar as irmãs e suas lutas para sobreviver ao inferno Nazista na França é muito aliciante e nunca fica cansativo ou enfadonho.
Tenho que confessar que gostei um pouco mais de acompanhar o desenvolvimento de Vianne, pois a história, heroica, de Isabelle eu já vi retratada vezes sem conta, em filmes e outras novelas de guerras que li. Já Vianne é uma personagem interessante por estar sempre encolhida, tentando atrair o mínimo de atenção para si, pensando que basta seguir as regras e conseguirá passar incólume por todo o terror que os alemães trouxeram para seu mundinho pacato, mas sua transformação lenta e gradual retrata perfeitamente a transformação, que imagino, que alguém com uma vida comum teria. A vemos mudar suas convicções e enfrentar seus medos, tornando-se uma mulher forte e corajosa de uma forma lenta e totalmente convincente e sem nunca deixar de proteger e se arriscar por aqueles que ama.
Isabelle é jovem e traz o ímpeto de confrontar entranhado no seu cerne, desde sempre, e assistir sua ascensão como uma courier e depois como a pessoa encarregada de atravessar os pilotos dos Aliados, que tinham seus aviões abatidos e caiam de paraquedas no território francês, é muito entusiasmante, mas é, também, a história mais comumente contada, o que tornou a de Vianne bem mais atrativa para mim.
Vianne em suavidade e aceitação é muito mais vibrante e consegue, como nenhum outro personagem, retratar o que é estar em meio a acontecimentos tão contrários a ordem natural das coisas. Ela luta sem chamar a atenção para si e torna-se uma heroína silenciosa, como imagino que muitos tenham sido durante essa guerra cruel que assolou o mundo.
Eu adorei o lento e constante crescimento da força interior dessa personagem que me cativou profundamente!
A autora tem uma escrita fluída e prazerosa de ler, ela nunca nos deixa confusa com as transições da narrativa e apresenta suas personagens com uma segurança que torna a história, de ambas, crível aos nossos olhos.
O único ponto em que o livro me fez discordar da autora foi na forma como ela descartou, fugazmente, o Capitão Beck; ele era, na minha opinião, um personagem intrigante e que parecia ter mais para oferecer à história. O Capitão Beck teve um desenvolvimento que me deixou curiosa e vê-lo ser descartado de forma tosca, de um minuto para o outro, apenas para injetar uma sensação de perigo e forjar uma ligação maior entre as irmãs me pareceu descabido. Nessa mesma cena tem o surgimento de Isabelle, do nada, em Carriveau tomando uma decisão imprudente que descaracterizava todo seu crescimento e amadurecimento durante a narrativa. Essa decisão da autora me tirou um pouco da história, naquele momento, entretanto é uma cena rápida e logo a narrativa entra nos eixos novamente.
O final da história é outro ponto forte do livro; e já vou adiantando que é impossível não se emocionar com o desfecho dessa narrativa, é impossível não imaginar de onde todos, os que não foram destroçados pela Grande Guerra, buscaram forças para seguir em frente e arrastar pela vida as lembranças dos que ficaram pelo caminho... é impossível não imaginar quão grandioso foi o esforço empreendido para carregar o peso de todas as perdas e das dores eternas que sentiram até que um dia o fim os alcançassem, mas, por hora, as palavras de ordem são: superar e seguir adiante.
Esse final foi, ao mesmo tempo, devastador e recompensador, eu não tenho palavras para mensurar o quanto esse livro é impactante; afinal, ele retrata uma parte da história que ficou esquecida no tempo.
O Rouxinol me foi indicado por meu amigo Cassius e devo agradecê-lo, imensamente, por essa maravilhosa indicação. ? Cassius, o livro foi tudo que você disse e é impossível passar por ele sem que algo, dentro de nós, seja atingido pela constatação: de que é na adversidade que descobrimos tudo que somos capazes de suportar.
Recomendo para todos.