Jess 24/05/2021
Simplesmente perfeito!
Eu sinceramente não sabia onde eu tava com a cabeça quando peguei esse desafiozão de ler algo tão grande e 'antigo', que pra você ter uma noção provavelmente se cair na cabeça de alguém, esse alguém não sobrevive. Mas o meu amor pelo filme de 2014 falou bem mais alto, além de gostar de dizer que desafio é meu nome do meio.
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Pois bem, foram três meses (quase quatro), cinco partes, 48 livros, 357 divisões e 1511 páginas de puro, destilado, completo sofrimento. É: sofrimento! Durante essa trajetória conhecemos pessoas reais, e não apenas personagens. Monsieur Bienvenu, Fantine, Gavroche, Pai Mabeuf, Grantaire, Enjolras, Javert, Pai Gillenormand, Marius, Cosette, Jean Valejean e tantos outros podem ser relacionados a aspectos da própria vida real. A forma de encarar os seus demônios, de lidar com a vida e de, mesmo num meio de escuridão e frio, conseguirem estender a mão a alguém mais necessitado.
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A história pode sempre retornar a rodear o forçado fugido Jean Valjean, que assume muitos outros nomes durante a trama, mas nesse livro não há protagonistas a não ser a consciência humana e como ela atua em cada um de nós.
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E como eu não tenho estrutura nem habilidade de fazer uma resenha bem estruturada vou deixar aqui algumas das minhas passagens preferidas. Eu não utilizei 155 marcadores de plástico e risquei meu livro todinho pra nada!
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"Para ele, o universo era como uma imensa enfermidade, por toda parte sentia febre, por toda parte auscultava o sofrimento e, sem procurar desvendar o enigma, tratava de fazer o curativo nas feridas" (página 96)
"As cidades produzem homens ferozes, porque produzem homens corruptos. A montanha, o mar, a floresta, produzem homens selvagens; desenvolvem o lado feroz, mas frequentemente não destroem o lado humano." (página 124)
"A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, a fornalha dos sonhos; o antro das ideias vergonhosas; é o pandemônio dos sofismas, e o campo de batalha das paixões." (262)
"É sublime e doce a esperança em uma criança que só conheceu o desespero." (458)
"Ele nunca amara coisa alguma. Havia vinte e cinco anos era só no mundo. Nunca fora pai, amante, marido, amigo. Nas galés era sombrio, casto, ignorante e arisco. (...) O bispo fizera levantar em seu horizonte a aurora da virtude; Cosette fazia levantar-se a aurora do amor." (480/481)
"O instinto de Cosette procurava um pai assim como o instinto de Jean Valjean procurava um filho. (...) Quando essas duas almas se avistaram, reconheceram-se como necessárias uma à outra." (481)
"Toda qualidade cai em um defeito; o econômico encosta no avarento, o generoso se assemelha ao prodigioso, o valente aproxima-se do fanfarrão." (708/709)
"Mas a divagação em demasia submerge e afoga. Infeliz do operário de espírito que se deixa cair inteiramente do pensamento na abstração. Acredita que facilmente tornará a subir, e pensa que, afinal de contas, é tudo a mesma coisa. Erro! (...) Substituir o pensamento pela divagação é confundir o veneno com um alimento." (903)
"É possível acreditar que Alighieri tenha menos coisas a dizer que Maquiavel? A parte inferior da civilização, sendo mais profunda e mais sombria, acaso é menos importante que a parte superior?" (1026)
"Era ele mesmo, era mesmo Marius! (...) Teve vontade de abrir-lhe os braços, de chamá-lo, de precipitar-se; (...) enfim, toda essa ternura abriu caminho e chegou a seus lábios, e, pelo contraste que vivia no fundo da sua natureza, deles saíram uma indelicadeza." (1073)
"A pátria lamenta, é verdade, mas a humanidade aplaude. A França sangra, mas a liberdade sorri." (1172)
"Combeferre, que falava daquele modo, não era órfão. Lembrava-se das mães dos outros e esquecia a sua. Seria morto. Ele era "egoísta"." (1236)
"Tudo provém da luz e tudo retorna para a luz." (1242)
"O espetáculo era aterrorizante e encantador. Gavroche, fuzilado, arreliava os disparos. Parecia estar se divertindo muito. "(1266)
"A gente não pode resistir a estes pequerruchos! Eles nos prendem, nos seguram e não nos largam mais." (1363)
"Dever a vida a um malfeitor, aceitar essa dívida e reembolsá-la; trair a sociedade para permanecer fiel à sua consciência." (1368)
"Será que se pode amar em excesso? Será que se pode agradar, em excesso, um ao outro? (...) O amor é uma criança de seis mil anos. O amor tem direito a uma longa barba branca." (1425/1427)
"Então, com a consciência a luta nunca termina. Lançamos nesse poço o trabalho de toda uma vida, ali lançamos nossa sorte, ali lançamos nossa riqueza, ali lançamos nosso sucesso, ali lançamos nossa liberdade ou nossa pátria, ali lançamos nosso bem-estar ou nosso descanso, nossa alegria." (1434)
"Um dia, sem querer, Cosette o chamou de pai. Um raio de alegria iluminou o velho semblante sombrio de Jean Valjean. Ele a corrigiu: "Diga Jean".
? Ah! É verdade, senhor Jean. ? respondeu ela, soltando uma risada.
? Muito bem. ? disse ele.
E voltou o rosto para que ela não o visse enxugar as lágrimas." (1468)