Blog MDL 07/02/2016
Na noite da véspera do Ano-Novo, durante o rígido inverno europeu, uma pequena menina passa pelas ruas, descalça e sem nada que possa cobrir-lhe a cabeça, numa tentativa de vender suas caixinhas de fósforo. Tal tentativa mostra-se infrutífera, pois durante o dia não conseguiu vender sequer uma caixinha, ou mesmo arranjar uma moeda. Ela teme regressar para casa, pois seu pai lhe bateria por seu fracasso e, de acordo com o narrador, não teria tanta diferença de temperatura em casa ou nas ruas. Numa tentativa de abrigar-se, ela entra no espaço entre duas casas, enquanto observa as famílias e seus lares decorados ainda de Natal, crianças com seus presentes e mesas fartas para a ceia. A menina então resolve acender seus fósforos para tentar aquecer-se. Eis então que, magicamente, as pequenas luzes de esperança manifestam-se de forma única e extraordinária para a jovem.
Não vou tentar vender uma imagem de pessoa forte para vocês (até porque, quem acompanha minhas resenhas aqui no blog, sabe que não sou), eu tive que jogar uma água no rosto após reler esse conto para resenhar. A história é extremamente triste, beirando o trauma!
Hans Christian Andersen é bem conhecido entre aqueles que apreciam contos de fada, como o autor carrasco. Vocês puderam ter uma prova disso com a resenha d’A Pequena Sereia. Nesse conto, Andersen usa de uma data geralmente festiva, onde os sentimentos de bondade afloram até mesmo nos corações mais duros e gelados (Abraços, Scrooge), para fazer uma crítica social.
Mas Marcel, o conto mal tem três folhas! Onde você está vendo crítica social ali?
Vamos lá, caros amigos: Uma pobre moça, que, em poucas linhas do texto, pudemos notar que tem uma família disfuncional e que tenta a todo custo ganhar míseras moedas para sobreviver vendendo um item extremamente banal e acaba por ser vítima de sua situação... É tão raro assim encontrarmos alguém nessa situação, mesmo em nosso país?
Ao ler esse conto, após a dor emocional gigante que ele me traz, a primeira coisa a me atingir é uma sensação de vergonha. Quantas “Pequenas Vendedoras de Fósforos” já não encontrei em minha vida e acabei por ignorar, considerando-as como parte da paisagem? Imagino esse ter sido o objetivo do autor com o texto. A crítica se encontra em nós, que nos tornamos tão “virtuosos” durante a eufórica onda natalina, tão bem disseminada por Charles Dickens, mas que na verdade tanta generosidade encontra-se muito mais vinculada a sentimentos egoístas que a uma genuína bondade.
Fora essa crítica, Andersen nos mostra que ainda podemos considerar a história um conto de fadas quando vemos o fantástico acontecer. A ideia da transformação das pequenas chamas, que meche com os diversos sentidos da menina, gera uma dúvida em nossas mentes se aquilo de fato está acontecendo ou se não passa de um devaneio de alguém que teve tão poucas alegrias na vida. Ele nos mostra que a imaginação pode sim ser uma poderosa arma contra as mazelas da vida, por mais duras e irreversíveis que possam ser.
Com um final de partir o coração, ao mesmo tempo em que a menina finalmente encontra seu alívio, esse conto mexe com nossos sentidos. Com sua escrita incrível é possível sentirmos frio com a garota, ou mesmo ter as mesmas sensações que ela, ao riscar aqueles fósforos.
Nossa, Marcel! Que mensagem mais triste! É Natal!
Meu objetivo, ao resenhar esse pequeno conto, não é estragar as comemorações de ninguém. É claro que não temos como socorrer a todos que estão ao nosso redor. Mas fica aqui meu apelo: Não se deixe levar por uma onda de alegria. Que você, que está lendo essas poucas palavras, possa manter essa aura da generosidade e bondade não durante um mês, mas durante toda a vida. E que sempre que você puder, estenda a sua mão para aquela pequena jovem entra casas, que luta com todas as forças por algo que é um direito de todos: viver.
Por isso, desejo a todos um Feliz Natal, e que possamos ser gratos pelos pequenos milagres que temos em nossas vidas.
site: http://www.mundodoslivros.com/2015/12/resenha-especial-pequena-vendedora-de.html