Aline T.K.M. | @aline_tkm 19/06/2013Pitoresco!Se me permitem dizer, vocês estão diante do review de um livro pitoresco. E lindo.
Desde as primeiras linhas, o narrador-personagem permite que o leitor mergulhe em seu íntimo e faça parte de sua trajetória em um momento bem peculiar – de sua vida e da própria China. Neste narrador, cujo nome não conhecemos, vê-se o próprio Dai Sijie – o autor esteve durante três anos (entre 1971 e 1974) em um vilarejo nas montanhas da China para o regime de reeducação.
Acompanhamos a cumplicidade, as angústias e toda sorte de sentimentos experimentados pelo protagonista e seu amigo Luo. Longe da família – intelectuais burgueses que, por isso, passaram por punições – os garotos são submetidos a tarefas árduas junto dos camponeses e levam uma vida precária, além da dura perspectiva de permanecerem em reeducação por tempo prolongado.
Tudo seria exponencialmente mais trágico se não contássemos com a destreza mental e a ousadia dos dois amigos, características que lhes proporcionam a regalia de poder assistir a sessões de cinema em outro vilarejo para depois contarem os filmes com detalhes para o restante das pessoas. Essa vivacidade dos personagens confere nuance aventureira à trama – ainda que a narrativa se mostre introspectiva.
Dois acontecimentos marcam a vida dos garotos: o contato com a filha do alfaiate da região – por quem ambos se apaixonam –, e a descoberta de uma mala repleta de obras de Balzac, Flaubert, Rousseau, entre outros...
A descoberta da literatura ocidental – em segredo, pois era proibida durante o regime de Mao – opera grandes transformações nos amigos. As palavras, em especial as de Balzac, têm papel fundamental no processo de amadurecimento e no florescer de Luo e do protagonista. Na fronteira com a idade adulta, eles descobrem o amor, o sexo e a própria vida a partir de obras como O Pai Goriot, Ilusões Perdidas e Úrsula Mirouët. Mais que apenas proporcionar descobertas, a literatura balzaquiana guia os garotos no tortuoso caminho do próprio crescer, ajudando-os a lidar com a ebulição que os acomete por dentro. Ebulição que em grande parte se deve à tal da costureirinha.
A graciosa costureirinha chinesa, aliás, também é seduzida pelas palavras de Balzac, e também nela ocorre uma metamorfose – silenciosa e mais intensa do que se pode imaginar.
Balzac e a costureirinha chinesa é um livro sobre descobertas; sobre tornar-se adulto num contexto severamente limitador. E, especialmente, um livro sobre o poder dos livros e a liberdade que só a literatura é capaz de oferecer.
LEIA PORQUE... Ainda que o entorno da trama seja composto por uma realidade dura, a narrativa jamais se afasta da docilidade. O fato de ser em parte autobiográfico faz com que percebamos a leitura de forma ainda mais impactante. Dai Sijie, além de escritor, é também cineasta e foi ele mesmo quem adaptou Balzac e a costureirinha chinesa para o cinema.
DA EXPERIÊNCIA... História impossível de afastar do pensamento, mesmo quando a leitura já tiver sido há muito concluída. Extremamente inspirador!
FEZ PENSAR EM... Balzac e todas as obras mencionadas ao longo do livro. Não sei vocês, mas acho especiais livros que sugerem outros livros; é como se a leitura ganhasse continuidade.
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