Carous 18/09/2017Eu bem queria ter dado uma nota melhor ao livro porque adorei a ideia de Brittany de escrever aventuras dos descendentes de Sherlock Holmes e John Watson e o texto ela é maravilhoso. Também amei James Watson e seu humor. Mas não dá para engolir a Charlotte. Chata, arrogante, egoísta. Ela é exatamente como seu tataravô e isso não é elogio.
Com o fim da leitura, percebi que Elementary se mantém como a única obra baseada nos personagens de sir Arthur Conan Doyle em que o criador do seriado tenta equilibrar a relação entre Holmes e Watson. Ambos personagens possuem as mesmas características (e defeitos) das histórias originais; Sherlock é arrogante e Watson é mais sensata. A diferença é que o detetive pode ser grosseiro com a puta que o pariu, mas não com sua parceira ou seus colegas e trabalho porque senão eles vão dar uma resposta atravessada. O motivo? A perspicácia de Sherlock simplesmente não é desculpa para ele tratar as outras pessoas mal.
Por que eu estou gastando linhas defendendo uma série que o fandom raiz de Sherlock Holmes odeia tanto numa resenha de livro? Porque com a conscientização de relações abusivas, fico surpresa de ver quanta gente ainda usa esse modelo de ~amizade~ nas suas histórias ou quando precisa citar uma relação platônica saudável, duradoura e verdadeira. A amizade entre o detetive e o médico só é duradoura e isso deve ser porque John Watson ainda não se deu conta de que não tem amor próprio.
Da forma como Brittany Cavallaro escreveu eu não tenho nenhuma reclamação. Não tenho costume de ler em inglês, mas o meu conhecimento é avançado, então, não tive dificuldade com o vocabulário. Ela também não usou palavras rebuscadas nem perdeu tempo descrevendo cenários ao invés de desenvolver a história.
Agora ela poderia ter criado uma Charlotte Holmes e James Watson mais originais ao invés de simplesmente copiar os traços de seus tataravós. Ainda assim... quanto ao James, lamentei a falta de qualidades próprias, mas ele é um personagem cativante e tem um humor maravilhoso. Me identifiquei com algumas coisas que ele compartilhava para o leitor. O livro é narrado por ele, uma espécie de diário tal qual seu antepassado fazia, principalmente depois que passou a trabalhar em parceria com o detetive. Assim, James tem uma vantagem sobre Charlotte: mais de 300 páginas para ele nos mostrar como é de verdade.
Para Charlotte, a oportunidade de conhecê-la melhor aparece somente no epílogo que é narrado por ela. Para mim pareceu uma tática da escritora para desfazer qualquer má impressão que o leitor possa ter tido da personagem: sua frieza, os erros que ela cometeu que prejudicaram outras pessoas, sua prepotência. Claramente Brittany queria despertar a empatia do leitor por Charlotte (inclusive quando usou a carta "estupro"). Mas too little, too late. Não adiantou nada. A personagem apresentada no epílogo é a mesma burguesa metida do resto da história.
Como dito antes, a dinâmica entre Charlotte e James é a mesma de Sherlock e John - e nada a ver com a sinopse do livro. Ela se acha superior a todo mundo porque consegue detectar quando as pessoas mentem, encontrar pistas nos lugares mais improváveis, ligar pontos e ajudar a polícia a encerrar um caso. Tudo isso seria admirável não fosse a informação de que ela foi TREINADA para ser assim por sua família. Na verdade, todos os Holmes desde Sherlock são submetidos a testes para serem os fodões na arte da investigação. E por quê? Tudo por causa do sobrenome que eles carregam. Pouco a ver com nascerem com aptidão para serem detetives. Deve ser um fardo grande ser obrigado a ser tão bom quanto seu tataravô para não decepcionar as pessoas quando elas tomam conhecimento de que você e Sherlock Holmes são parentes.
Já a família Watson é mais normal que a família Holmes. Fantástico que somos parentes de John Watson, mas cada ser humano é de um jeito e lógico que não vamos submeter ninguém a ser como ele. Que doideira...! Talvez por isso as duas famílias tenham se afastados. Porque os Holmes são frios e esnobes, e os Watsons são simpáticos.
James apenas fantasiava que era BFF de Charlotte, mas nunca viu as fuças da garota até ser transferido de escola (casa e país). James apenas fantasiava que era o fodão, mas na realidade ele não passa de um adolescente de 17 anos como os outros.
Sério, temos um problema muito grande quando simpatizamos mais com o criminoso do que com quem está investigando o crime. Eu lamentei a violência que Charlotte sofreu, mas não consegui suportar essa garota. E não achei nada bonito o quanto ela maltratava James. Tudo para manter a dinâmica Holmes-Watson como era no passado. Charlotte para mim é uma personagem egoísta, fria e drogada cujo comportamento foi normalizado só porque era idêntico ao de Sherlock Holmes como se isso fosse algo a ser admirado. Errou feio, errou rude. O irmão não fica atrás, os pais também não. Uma família de gente detestável.
E para completar o ciclo de erros de Brittany, ainda teve ensaio de um romance entre Charlotte e James. Estou aguardando a onda de protesto e fúria do fandom de Sherlock Holmes, tal qual teve quando John Watson virou Joan Watson em Elementary. Não teve nada com romance (até porque nem precisaria: gays existem, galera), mas como a série ganhou hate das pessoas. Então não espero menos que isso para este livro.
Apesar de tanta indignação quanto à Charlotte, eu continuo com vontade de ler o segundo volume da história torcendo para que Brittany tenha amenizado esses traços da personagem.
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