Nik Soren 31/01/2014
Crônicas invisíveis.
Antes desse livro, obviamente, eu não havia lido nada de Julio Ramon Ribeyro.
Por que 'obviamente'?
Ora, porque não existe nenhum outro texto dele publicado no brasil e, talvez mais importante que isso, é extremamente difícil de encontrar qualquer coisa do autor, mesmo que em castelhano, mesmo em outros países.
Agora, após ter lido essa obra, eu me pergunto: como pode? Como pode uma coisa tão boa ter ficado escondida por sessenta anos? Como pode um artista de mão cheia ser negligenciado assim?
Mas, parando p'ra pensar, isso já aconteceu muito na história... Van Goth foi absolutamente ignorado e tido como um péssimo pintor durante sua vida, o único quadro que conseguiu vender foi para seu próprio irmão, que o sustentou até a morte, o que tira um pouco o mérito pela venda... Cervantes obteve reconhecimento em vida, é verdade, mas não ganhou nada por seu Don Quixote, hoje tido como o livro ais importante e visionário da história.
Agora, calme lá! Não estou dizendo de maneira alguma que Ribeyro será tido como o próximo Cervantes algum dia, muito pelo contrário, o que eu vejo é um autor que tem tudo p'ra ser ignorado pelo público em geral por todo o sempre.
Hoje mesmo, após terminar o livro, me perguntaram... "O que você mais gostou nele?"
Hmm... Eu respondi que foram duas coisas. Sua falta de apelo e sua imparcialidade para com as personagens e ambientes.
Por mais que Ribeyro tenha me lembrado superficialmente Bukowski ou algum Beatnik da sua mesma época, ele tem uma diferença muito importante: ao menos nos contos apresentados nesse livro é marcante a falta de palavrões, agressão e sexo. Se você é viciado em ultraviolência e coisas desse tipo, passe longe.
Mas, falando assim eu posso ser injusto com o autor! Fica parecendo que se trata de Crônicas da Barbie ou algo assim.
Não. Eu diria que se trata de Crônicas Invisíveis. Personagens tão reais e ordinários que seriam invisíveis se não narrados. Uma narrativa tão clara e indiferente que, não fosse tão bem construída, também ficaria invisível.
O único conto desse livro que foge à regra é também o mais singular e original: O Embarcadouro da Esquina.
Ao narrar a estória de um homem louco, intoxicado, o texto também parece se afetar. Por mais de uma vez eu tive que parar e reler a página inteira, porque não me lembrava nem como chegara lá.
Quanto à "imparcialidade do autor", esse também foi um factor que bastante me marcou. Ribeyro descreve perdedores, mas nunca coitadinhos. Aqui não existe uma guerra entre Bem e Mal, entre mocinhos e vilões. Não, aqui você encontra pessoas reais - mesmo que feitas de tinta - com defeitos e qualidades.
No fim das contas, não me surpreende que Ribeyro tenha passado desapercebido por tantas décadas. Se existe alguma forma melhor de descrever o homem, eu ainda não encontrei: 0% comercial.
Agora, se me permitem, vou comprar mais cigarros porque os meus viraram cinzas.