spoiler visualizarBrujo 22/11/2022
Estrelas, Como Poeira.
Hype é uma gíria bem recente e é usada para retratar a empolgação das pessoas em consumir certa obra, literária ou cinematográfica, por exemplo. E esse conceito, quando exageradamente forte, na grande maioria das vezes pode ser um grande vilão e atrapalhar toda a experiência. Foi assim, para mim, com o livro "Fundação e Império". Eu vinha da leitura dos três anteriores, todos eles livros fantásticos, e acabou que este quarto não atendeu às minhas elevadas expectativas (o tal do hype).
Pois bem, cheguei à conclusão de que o hype negativo também é relevante, pois pode ser benéfico e ajudar a ter um juízo menos emocionado sobre a obra. Foi assim com "Poeira de Estrelas". Este livro é visto comumente como um dos menos inspirados do Bom Doutor, inclusive o próprio era da mesma opinião. Sobre isso, há uma história interessante que eu vou abordar mais adiante.
Vamos ao costumeiro resumo da obra: publicada como romance em 1951 sob o título original " Stars, Like Dust" e parte da conhecida trilogia do Império Galático, o livro tem como protagonista Biron Farrill, um estudante de uma universidade da Terra mas que é filho do "Rancheiro de Widemos" (será que na edição da Aleph a tradução desse título de nobreza ficou diferente?), líder do planeta Nephelos. Certa madrugada, Biron sofre uma tentativa de atentado por bomba, frustrado por um aliado de seu pai, Sander Jonti. Este informa a ele que seu pai foi assassinado por conspirar contra o planeta dominante chamado Tirania (nome meio cafona para o planeta dominador, não ?). Jonti envia Biron para o planeta Rhodia para contatar seu governante, como forma de fugir das forças Tiranianas e investigar a morte do pai. Lá ele conhece, além do dirigente, a filha do mesmo, Artemísia de Hinriad, com quem tem um romance (fraquíssimo!) e Gilbret de Hinriad, irmão do regente e uma espécie de gênio louco (conhecem o arquétipo do inventor maluco?). Gilbret informa a Barril sobre um "planeta rebelde", supostamente localizado na nebulosa Cabeça de Cavalo.
Quando o regente de Rhodia entrega Barril aos Tiranianos, o mesmo sequestra a nave dos perseguidores (de forma inacreditavelmente fácil) e foge com Artemisia e Gilbret com o objetivo de localizarem o tal planeta rebelde. Pausa para uma referência: um planeta rebelde possui planos para atacar o planeta dominador e tirano. Onde é que eu vi isso antes?
A primeira parada da equipe é no planeta Lingane pois, segundo Gilbret, o autarca local possui condições de localizar o planeta rebelde. Quando se encontram com esse líder, descobrem tratar-se do mesmo Jonti que ajudou Biron no início da história, que demonstra ter seus próprios planos e não medir esforços para atingi-los. O que vemos a partir daí é um jogo de perseguição entre as forças Tiranianas, comandadas pelo carismático Simok Aratap, um personagem que me lembrou Hans Landa de "Bastardos Inglórios", sempre calmo, educado e extremamente calculista. A diferença é que Aratap demonstra certo grau de honradez e até desenvolve certa afeição pelo protagonista ("Você poderia ter sido facilmente um dos nossos" disse Aratap a Biron em certo momento).
Basicamente é isso. A história é recheada de reviravoltas divertidas, como a revelação de Jonti como vilão e a que eu mais gostei: o tal planeta que os protagonistas procuravam alucinadamente possuía coordenadas já conhecidas: ele era na verdade o próprio planeta Rhodia, sendo que o pai de Artemísia, que demonstrava ser um governante fraco e covarde, na verdade era o líder da rebelião, usando sua fraqueza como disfarce para afastar os Tiranianos do planeta. Eu fiquei surpreso com a revelação, na minha opinião foi bem construída.
No início da resenha eu disse que o próprio Asimov não gostava deste romance e o principal motivo é a subtrama a respeito de um certo documento perdido e que seria uma poderosa arma para governar o universo caso conseguissem se livrar dos Tiranianos: se trata - preparem-se! - da... Constituição dos EUA!. A maioria dos leitores e o próprio Asimov não gostam deste plot. Eu admito que gostei pois me pegou de surpresa, apesar de ter achado absurdamente cafona e ufanista. E sobre isso há uma história interessante: Asimov iria publicar Stars, Like Dust pela editora Doubleday. Porém, nos anos 50, a melhor forma de se atingir popularidade com histórias de sci-fi era publicá-las de forma seriada em alguma das revistas Pulp especializadas da época. A Galaxy Science Fiction era uma das mais conhecidas e seu editor, Horace L. Gold, se interessou pela publicação da história de Asimov (o que acabou acontecendo nas edições de janeiro a março de 1951 sob o título de "Tyrann"), mas impôs uma condição: incluir a subtrama com a Constituição Americana. O pior foi que Asimov levou o caso ao seu editor na Doubleday e o mesmo também aprovou a idéia. Resumindo: o plot acabou entrando na história.
Sobre minha opinião pessoal: definitivamente eu não partilho dessa aversão por esta obra. Obviamente não é o melhor livro do Asimov, por vezes chega a ser um tanto pueril, há os mesmos problemas de sempre com personagens femininas e seu protagonista é muito irritante na maioria do tempo, infantil apesar de sua sagacidade. Suas interações com Artemísia são risíveis de tão ruins. Mas vou dizer uma coisa: perto de Andrew Harlan, protagonista de "O Fim da Eternidade", até que Biron não é tão ruim.
Além disso, achei o ritmo do livro bem legal, principalmente nos trechos da perseguição e das revelações dos plot twists no final. Vi relatos de que o início do livro é lento, mas eu sinceramente não senti isso. Temos um personagem interessante na figura de Simok Aratap. Menos relevante, há um invento de Gilbret presente no livro chamado Visisonor (acho que é isso...), que aparecerá na saga Fundação, pelo que fiquei sabendo.
Em suma, o saldo da leitura foi bastante positivo!
Uma curiosidade que lembrei agora: este foi o primeiro livro do Asimov que comprei, achei ele no Sebo do Messias aqui de SP, bem barato e em condições bastante razoáveis. Mas só li agora levando em consideração a ordem de leitura cronológica para as obras do autor. E, finalmente: que venha a trilogia de Fundação!!!!