Kizzy 19/10/2017
A descoberta do Significado
Eu demorei algumas semanas desde que li este livro para colocar meus sentimentos em uma ordem cronológica que pudesse originar um texto. Eu me lembro de quando me descobri Negra. Não é um dia, é um processo. Um processo de reconhecimento, de força, de aquisição de significado, de revolta, de autoconhecimento, de conhecimento histórico, de AMOR.
Ler esse texto simples e de significado absolutamente complexo de Bianca Santana me fez reviver tudo isso de novo, e por isso não foi uma experiência literária, e sim de vida.
Quando me descobri negra é daqueles livros que você lê em 2 horas de imersão, é como viver uma conversa quotidiana com aquela pessoa que você gosta. O tempo passa leve e rápido, parece que Bianca é sua amiga de infância e que vocês estão dividindo crônicas do dia a dia em comum.
Digo em comum porque TODOS os brasileiros já vivenciaram os acontecimentos narrados no texto, seja no papel da vítima, do agressor ou do espectador. Porém, o mais forte das histórias relatadas é o fato de que elas acontecem com tanta frequência, que na maioria das vezes você nunca parou para pensar o significado profundo que elas carregam. A Barbárie do racismo é tão intrínseca que parece natural. Natural de um modo que mesmo quem sofre não percebe. Então, quando a significação acontece na sua vida, e você percebe o quanto você estava sendo enganado desde que nasceu, e entende o que a sua origem diz sobre você, sim, é nesse dia que você se descobre.
Nessas poucas horas que estive em contato com a vivência de Bianca, eu me emocionei com a descoberta. Me enxerguei nas neuroses de estar penteada, com o cabelo amarrado, sempre baixo, sempre molhado, sempre reprimido e quase que pedindo desculpas ao mundo por ter cabelos. Revivi minhas emoções na descoberta dos meus turbantes, me enxerguei olhando e tentando entender os lugares que eram para mim ou não. Lamentei das vezes que uma professora e jornalista importante não pode ter seu trabalho respeitado por conta da coloração de sua pele e vibrei cada vez que ela conseguiu esfregar na cara da sociedade o quanto isso é equivocado. E também chorei, chorei muito, quando o amor entre duas pessoas de cores diferentes no século XXI foi rebaixado e destruído por conta da imagem nojenta disseminada sobre a mulher negra.
Quem me conhece sabe que tenho na literatura uma relação quase mística de aquisição de conhecimento e significado. Aliás, escrevo minhas resenhas muito mais para registrar experiências de sentimento do que conteúdo de texto. Por esse motivo, um livro ganhado tem para mim, necessariamente, uma forte relação com a fonte. Assim como a experiência da leitura da obra, a experiência de conhecer e descobrir minha amiga Ivy foi um processo forte e continua sendo um caminho de reconhecimento mútuo de força e amor. Ivy me ajudou a me descobrir forte, me descobrir negra, me descobrir amiga. Foi com ela que eu tomei meu primeiro porre, foi com ela que entendi o significado de muitos significados da vida adulta, foi com ela que eu entendi que sentimentos não tem distância física, foi com ela que eu enfrentei desafios dignos de se contar em um filme ou livro, e com ela estive em muitos momentos de fracasso e reabilitação.
Só podia vir dela a oportunidade de me redescobrir em algumas poucas horas de leitura.