Meu estranho diário

Meu estranho diário Carolina Maria de Jesus




Resenhas - Meu estranho diário


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z..... 30/07/2019

Obra póstuma, publicada em 1996, com três momentos diferenciados da autora, representados por mudança geográfica e social, com o pensamento que exprimia no contexto. Os textos estão organizados na forma como Carolina Maria de Jesus ficou conhecida, em relatos de diário, que alguns denominam carolinianos.
Mais que impressões pessoais, refletem a sociedade em uma parcela até então sem voz própria, em que a autora é tida como vanguardista pelo retrato autêntico e fiel, sem aprumos literários buscando valorização na estética, apenas como solitário desabafo.

O livro resgata relatos da vida na favela Canindé, o primeiro momento (Diários no Quarto de Despejo), onde se expressam dificuldades e solidão de amparo social, em lutas acirradas, comuns e cotidianas. O texto tem posicionamentos de revolta, tristeza, dor, variando entre esperança e desesperança. Um retrato humano, impulsionado pelo desejo de revelar, encontrar soluções, movido muitas vezes pela fome, raiva e desilusões.
Algo muito característico é que os diários tem a percepção de um amigo a quem se desabafa e compartilha intimidades. Entre as peculiaridades, a revolta de Carolina com a indolência dos homens, bebedeira e ignorância, principalmente quando há desapego ao conhecimento, representado nos livros. Essa é a razão de muitos verem seus diários como algo estranho, atípico àquele meio, o que justifica o título escolhido para a obra. A autora usa isso a seu favor, quase que como uma arma, no sentido de expressar que vai registrar o que testemunha e, entre alguns, soa como surreal e incompreendido desconforto. Acho que o conhecimento, a revelação, era como a exposição da nudez.
Uma parte muito forte, sem amenizações da autora, é o relato sobre a descoberta da sexualidade no contexto, em que crianças aprendiam coisas de maneira grotesca e impactante ao testemunhar discussões comuns, altamente pornográficas entre moradores.

O segundo momento (Diários na Casa de Alvenaria), corresponde à mudança de Carolina para residência em outra localidade, em 1961, por conta do dinheiro que ganhou com o lançamento do "Quarto de Despejo" em 1960. Os relatos sugestionam que foram escritos após a publicação de "Casa de Alvenaria" (onde detalha melhor essa realidade nova), pois o respectivo livro e lançamento foram referenciados.
Reitero as mesmas impressões que tive quando li a obra, o momento expressa certa ilusão em Carolina, impulsionada pelo sucesso e sonhadora em seu idealismo. Acho que a maior ilustração disso é seu posicionamento não tão incisivo ao preconceito contra pobres e negros no início. Ela os descreve, parecendo, às vezes, entende-los como culpa também dos que são discriminados. Pesa aí um pouco do seu idealismo, como se tudo estivesse sujeito a cada um, talvez por conta do sucesso que teve.
No avançar dos relatos, percebemos que os posicionamentos vão sofrendo impactos e a euforia inicial vai dando lugar a crescente desilusão.
Carolina fala de políticos (como Juscelino e Ademar de Barros, em descontentamento e decepção), se sente enganada, crendo num retorno financeiro abaixo do que o sucesso do livro evidenciava, com frustração em alguns projetos. É como se percebesse outras dificuldades e injustiças no contexto, na sociedade, que não se resolviam apenas na satisfação do que mais lhe impactava na vida na favela. Um jogo de interesses escusos muito grande.

"Diários no Sítio", o terceiro momento, corresponde à mudança para a região de Parelheiros. Os relatos lembram o vigor em "Quarto de Despejo", com Carolina com criticidade incisiva ao preconceito, à injustiças sociais, insatisfeita e aborrecida. É um desabafo extremamente humano, calejado pelas experiências.

Similar a outras obras póstumas de Carolina, o livro traz vários artigos interessantes. Destes, gostei principalmente de:
"A percepção de um brasileiro", de J. C. S. B. Melhy - destaca o contexto de surgimento de "Quarto de Despejo", onde havia movimento de valorização à crônica urbana, com Nelson Rodrigues exprimindo a vida como ela é, o que encontrou representatividade inovadora em Carolina de Jesus.
"Três utopias de uma certa Carolina" - Não consegui identificar o autor, faz síntese muito interessante sobre a obra de Carolina. O texto é curto e vale a conferida.

Com essa obra encerro a leitura de oito livros de Carolina, que havia separado para minhas férias. Existem outros, gostaria de conhece-los também, mas estes foram os que tive acesso.
A leitura foi muito produtiva, trazendo reflexões sobre o contexto social brasileiro e sobre essa peculiar e injustamente esquecida autora no cenário nacional.
Tem sido redescoberta, mas em meios fechados, como o acadêmico, não costumando aparecer em livros escolares (o que precisa ser corrigido). Crítica também para o cinema nacional, que até hoje não a levou para as telas.
Catiana.Fernandes 23/04/2020minha estante
Queria comprar mas não acho. Vou ver se encontro em bibliotecas




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