Thaisa 14/08/2023
Ao final de "Junji Ito's Cat Diary: Yon & Mu", há uma entrevista com Ito (que é meu mangaká favorito) onde ele conta sobre H. P. Lovecraft ser uma das maiores inspirações em seu trabalho, sendo que um grande sonho seria adaptar alguns de seus contos - no entanto, ele afirma não ter coragem por sentir que Gou Tanabe já havia feito isso perfeitamente.
E realmente Tanabe publicou diversos livros adaptando múltiplas histórias de Lovecraft, e minha primeira experiência com o artista foi através dessa obra que transpõe três contos lovecraftianos para o mangá: "O Templo", "O Cão de Caça" e "A Cidade Sem Nome". A primeira é sobre um submarino alemão que, durante a guerra (no original, temos a Primeira Guerra Mundial, mas Tanabe resolveu modernizar a trama para a Segunda Guerra Mundial), descobre um templo misterioso no fundo do oceano; a segunda é sobre dois ladrões de túmulos que decidem roubar um amuleto de jade de um dos caixões, mas mal sabem eles que um grande cão de caça os perseguirá por isso; e a terceira narra um explorador descobrindo, no meio do deserto, a cidade de uma antiga civilização - e se deparando com os segredos que essas ruínas escondem.
É verdade que essas estão longe de serem minhas histórias favoritas de Lovecraft, mas foi interessante ver a interpretação do mangaká desses contos: achei uma ótima ideia ele ter repaginado "O Templo" mas, ainda assim, ele se demora mais em partes pouco importantes e mostra quase nada desse templo perdido, sendo que, particularmente, eu prefiro muito mais a adaptação para graphic novel feita por Hernán Rodríguez. Já "O Cão de Caça" me incomodou um pouco por realmente trazer elementos lovecraftianos que não se encaixam, como o fato dos protagonistas lerem o Necronomicon múltiplas vezes (já que o livro fictício era para ter enlouquecido os dois na primeira página). "A Cidade Sem Nome" foi a que eu mais gostei, pois mesmo tendo algumas incongruências com a obra canônica, a visão do mangaká funciona bem, explorando não só essa cidade como os sentimentos do protagonista.
Além de mudanças que alteram a mitologia lovecraftiana, algo que eu não gostei tanto foi o uso exagerado do preto que, ao invés de ser utilizado em contraste com o branco ou mesmo dar certo mistério para as revelações, realmente não deixa que o leitor veja muita coisa, tornando difícil identificar o que está acontecendo nos quadros.
Ainda assim, amei o traço de Tanabe, firme e bem realista, dando vida aos personagens e ao que eles estão pensando o tempo inteiro. A forma como ele aterroriza o leitor, assim como os contos originais, é um acerto e me fez sentir que havia algum perigo à espreita durante toda a leitura.
No geral, foi uma experiência complexa e agridoce, cheia de momentos interessantes e geniais, mas que pouco enxergamos e, naquilo que conseguimos ver, algumas informações muito discrepantes da obra de Lovecraft podem incomodar aqueles que amam tanto o cosmicismo.
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