Paulo 20/12/2021
Descobri Orides Fontela ao encontrar esse livro no catálogo online da Hedra, editora que eu adoro, no começo de 2021, e passei esse ano todo querendo o livro e visitando a página para ver se entrava em promoção, até que mais uma feira literária online, da USP, fez baixar o preço e eu, esquecido dessa festa do livro, por acaso fui olhar o livro e grande satisfação logo chegou em casa.
Mas na minha descoberta da autora, fiquei triste ao pesquisar brevemente sua vida e saber que foi mais um escritor que passou o fim da vida praticamente indigente, no ostracismo; afinal, incontáveis são os artistas ignorados durante toda sua vida, ou bem criticados mas de fato reconhecidos postumamente, enriquecendo as editoras, gravadoras, produtoras etc.. Caio Fernando Abreu, por exemplo, enquanto publicava livros e tinha um exibido na vitrine de uma livraria em Londres, lavava pratos num restaurante ao lado dessa mesma livraria. E minha indignação só aumentou ao ler a introdução dessa antologia da Hedra, ao saber das várias publicações em vida de Orides, de seu prêmio Jabuti, de sua dita importância para o modernismo brasileiro, e morrer de tal forma, esquecida num hospital, de tuberculose.
Essa antologia evidencia algumas características formais da poética de Orides, como nomear os poemas e fazer poemas-pílulas, mas não cômicos ou bem humorados, ou poemas curtos. A introdução do livro, de forma cômica, basicamente diz que hoje não existem bons poetas, alega, como qualidade da poeta, que os poemas de Orides são pouco abstratos e menos individuais que os que os novos poetas escrevem hoje, no entanto, apesar da fluidez da leitura dessa antologia devido tanto a muito agradável formatação da edição quanto à brevidade dos poemas, a maior parte dos poemas é bastante subjetiva, como a poesia tem o costume de ser, de difícil interpretação. Contudo, alguns por serem mais diretos ou belos na observação minuciosa de detalhes do cotidiano, de forma que só um poeta ou apaixonado leitor de poesia pode fazer, são não só rapidamente compreensíveis e satisfatórios, como fáceis, quase naturalmente, de se lembrar: a moça que derrama água do cântaro, num gesto essencial, ou a existência de deus, que é "um escândalo", existindo ou não. Aliás, vale notar que Orides também era formada em Filosofia pela USP.
Como observou Stephen King em uma entrevista e em sua biografia sobre escrever, quando um novo autor começa a escrever, ele vai absorvendo influências de cada escritor que ele lê, King disse que no começo ele escrevia tentando imitar a escrita do último autor que ele leu, não necessariamente consciente disso. De fato isso foi algo que constatei na minha árdua batalha contra a incompetência diante da escrita, tanto de prosa quanto de poesia, e enquanto e após ler essa antologia de Orides, me vi dando títulos a alguns poemas que escrevi, coisa que tornei rara há um tempo, e escrevendo poemas mais curtos e objetivos, objetivos mas abstratos, como Orides.
Apesar da mencionada dificuldade de compreensão de boa parte de sua poesia, eu tenho vontade de folhear de novo, tendo lido muito recentemente, essa maravilhosa edição da Hedra, que mostra na capa uma já idosa Orides num gesto que parece frágil, e sentir esse contentamento, talvez exaltado, com esses poemas-pílulas inquisitivos ou observadores.